quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Visões e Aparições (I)


NO ANTIGO TESTAMENTO

    Embora o mundo moderno, e aí inclusos muitos religiosos, pretenda-se o mais acurado observador da Verdade, as visões e aparições são fenômenos absolutamente comuns através dos tempos, e são vários os registros no Novo e no Antigo Testamento. Aliás, temos uma religião realmente revelada, toda Revelação é obra de visões e aparições.
    Além de muito frequentes no Pentateuco, tiveram visões, entre outros, os Profetas Jeremias, Isaías, Samuel, Daniel, Ezequiel, Habacuc, Abdias, Naum, Amós e Zacarias. De fato, não ter visões era sinal de más relações com Deus: "O jovem Samuel servia ao Senhor sob os olhos de Heli. A Palavra do Senhor era rara naqueles dias, e as visões não eram frequentes." 1 Sm 3,1
    O livro das Lamentações até ressente-se de seu tempo: "Mesmo os Profetas não mais recebem as visões do Senhor." Lm 2,9b
    Que devia mesmo ser muito grave, especificamente segundo Amós, "Porque o Senhor Javé nada faz sem revelar Seu segredo aos Profetas, Seus servos." Am 3,7
    O Profeta Miqueias acusava os líderes e profetas de Israel: "Eu disse: 'Ouvi, chefes de Jacó, e vós, príncipes de Israel! Não devíeis vós saber o que é justo? Um dia clamarão ao Senhor, mas Ele não lhes responderá. Ocultá-lhes-á Sua face naquele dia por causa da malícia de seus atos.' Oráculo do Senhor contra os profetas que desencaminham meu povo, que anunciam a paz quando têm algo para mastigar e declaram guerra a quem nada lhes põe na boca. Por isso, em lugar de visões tereis a noite, e trevas em lugar de revelações. Pôr-se-á o sol para esses profetas, o dia vai tornar-se obscuro... Todos esconderão a barba, porque Deus cessará de falar-lhes." Mq 3,1.4-6.7b
    E os Provérbios atestavam a importância que têm essas divinas interveniências: "Por falta de visão, o povo vive sem freios..." Pr 29,18a
    Em alguns momentos, porém, o povo também teve suas culpas, como se vê no livro do Profeta Isaías: "'Ai dos rebeldes filhos', diz o Senhor, 'eles seguem um plano que não vem de Mim. Concluem alianças sem Meu consentimento, acumulando, assim, falta sobre falta. Porque este é um povo rebelde, são mentirosos filhos, filhos que se recusam a ouvir as instruções do Senhor. Eles dizem aos videntes: 'Não vejais.' E aos Profetas: 'Não nos anuncieis a Verdade! Dizei-nos coisas agradáveis, profetizai-nos fantasias.'" Is 30,1-2.9-10
    Etapas da Revelação, tanto as aparições quanto as visões foram determinantes desde o início da História do povo de Israel. Após o mandar para as terras de Caná, Deus vai manifestar-Se a Abraão quando ele chega em Siquém: "O Senhor apareceu a Abrão e disse-lhe: 'Darei esta terra à tua posteridade.' Abrão edificou um altar ao Senhor, que lhe tinha aparecido." Gn 12,7
    Em seguida, veio prometer-lhe a paternidade de uma grande nação: "Abrão tinha noventa e nove anos. O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: 'Eu sou o Deus Todo-poderoso. Anda em Minha presença e sê perfeito. Quero fazer Aliança contigo e ao infinito multiplicarei tua descendência.' Abrão prostrou-se com o rosto por terra." Gn 17,1-3
    Depois veio anunciar-lhe um filho, antes de destruir Sodoma e Gomorra: "O Senhor apareceu a Abraão nos carvalhos de Mambré, quando ele estava assentado à entrada de sua tenda, no maior calor do dia. Abraão levantou os olhos e viu três Homens de pé diante dele. No mesmo instante, levantou-se da entrada de sua tenda, veio-Lhes ao encontro e prostrou-se por terra. E Ele disse-lhe: 'Voltarei à tua casa dentro de um ano, a esta época, e Sara, tua mulher, terá um filho.'" Gn 18,1-2.10
    Mas para testar a fidelidade de Abraão, Deus pediu-lhe o sacrifício deste único filho, quando a intervenção de um anjo se confunde com o próprio Deus, o que àqueles tempos não era raro: "Quando chegaram ao lugar indicado por Deus, Abraão edificou um altar, nele colocou a lenha, amarrou Isaac, seu filho, e pô-lo sobre o altar em cima da lenha. Depois, estendendo a mão, tomou a faca para imolar seu filho. O anjo do Senhor, porém, gritou-lhe do Céu: 'Abraão! Abraão!' 'Eis-me aqui!' 'Não estendas tua mão contra o menino, e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu único filho.' Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos, e, tomando-o, ofereceu-o em holocausto em lugar de seu filho. Abraão chamou a este lugar 'Javé proverá', de onde se diz até o dia de hoje: 'Sobre o monte, Javé proverá.' Pela segunda vez chamou o anjo do Senhor a Abraão do Céu, e disse-lhe: 'Juro por Mim mesmo', diz o Senhor, 'pois que fizeste isto, e não Me recusaste teu filho, teu único filho, Eu abençoá-te-ei.'" Gn 22,9-16
    Tempos mais tarde, Deus apareceu a Isaac, quando uma grande fome veio à região: "O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: 'Não desças ao Egito! Fica na terra que Eu te indico. Habita nela! Eu estou contigo e abençoá-te-ei, porque é a ti e à tua posteridade que darei toda esta terra, e cumprirei o juramento que fiz ao teu pai Abraão. Multiplicarei tua posteridade como as estrelas do céu, dá-lhe-ei todas estas regiões, e nela serão benditas todas nações da terra, porque Abraão obedeceu à Minha voz e observou Meus preceitos, Meus Mandamentos e Minhas leis.'" Gn 26,2-5


    Deus também apareceu a Jacó, filho de Isaac e neto de Abraão: "Jacó, partindo de Bersabeia, tomou o caminho de Harã. Chegou a um lugar, e ali passou a noite, porque o sol já se tinha posto. Como travesseiro, serviu-se de uma das pedras que ali se achavam, e dormiu naquele mesmo lugar. E teve um sonho: via uma escada, que, apoiando-se na terra, tocava com o cimo o Céu, e os anjos de Deus subiam e desciam pela escada. No alto estava o Senhor, que lhe dizia: 'Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai e o Deus de Isaac. Darei a ti e à tua descendência a terra em que estás deitado.' Jacó, despertando de seu sono, exclamou: 'Em verdade, o Senhor está neste lugar e eu não o sabia!' E cheio de pavor, ajuntou: 'Quão terrível é este lugar! É nada menos que a Casa de Deus. A porta do Céu é aqui!'" Gn 28,10-13.16-18
    Ele vai lutar com um anjo, como interpretou a tradição, embora o texto propriamente fale de Deus: "Jacó ficou só, e alguém lutava com ele até o romper da aurora. Vendo que não podia vencê-lo, aquele Homem tocou-lhe na articulação da coxa e esta deslocou-se, enquanto Jacó lutava com Ele. E disse-lhe: 'Deixa-Me partir, porque a aurora se levanta.' 'Não Te deixarei partir', respondeu Jacó, 'antes que me tenhas abençoado.' 'Ele perguntou-lhe: 'Qual é teu nome?' 'Jacó.' 'Teu nome não será mais Jacó', tornou Ele, 'mas Israel, porque lutaste com Deus e com os homens, e venceste.' Jacó perguntou-lhe: 'Peço-Te que me digas qual é Teu Nome.' 'Por que Me perguntas Meu Nome?', respondeu Ele. E abençoou-o no mesmo lugar. Jacó chamou àquele lugar Fanuel: 'Porque', disse ele, 'eu vi a Deus face-a-face, e conservei a vida.'" Gn 32,24-30
    Deus veio-lhe outra vez para confirmar-lhe o nome de Israel: "Quando Jacó voltou de Padã-Arã, Deus novamente apareceu-lhe e abençoou-o. 'Teu nome,' disse-lhe Ele, 'é Jacó. Tu, porém, não te chamarás mais assim, mas Israel.' E chamou-o Israel." Gn 35,9-10
    E quando houve uma grande fome na região, enviou-o ao Egito com seus filhos: "Em uma noturna visão, Deus disse-lhe: 'Jacó! Jacó!' 'Eis-me aqui', respondeu ele. E Deus disse: 'Eu sou Deus, o Deus de teu pai. Não temas descer ao Egito, porque ali farei de ti uma grande nação. Descerei contigo ao Egito, e Eu mesmo fá-te-ei de novo subir de lá. José fechá-te-á os olhos.'" Gn 46,20-4
    Séculos mais tarde, ainda no Egito, Deus viria ao encontro do grande Profeta de Israel, mas mais uma vez inicialmente confundido com um anjo: "Moisés apascentava o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote de Madiã. Um dia em que conduzira o rebanho para além do deserto, chegou até a montanha de Deus, Horeb. O anjo do Senhor apareceu-lhe numa chama que saía do meio de uma sarça. Moisés olhava: a sarça queimava, mas não se consumia. 'Vou aproximar-me,' disse ele consigo, 'para contemplar esse extraordinário espetáculo, e saber porque a sarça não se consome.' Vendo o Senhor que ele se aproximou para ver, chamou-o do meio da sarça: 'Moisés, Moisés!' 'Eis-me aqui!' respondeu ele. E Deus: 'Não te aproximes daqui. Tira as sandálias de teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma Terra Santa. Eu sou', ajuntou Ele, 'o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó.' Moisés escondeu o rosto, e não ousava olhar para Deus. 'Vai, reúne os anciãos de Israel e dize-lhes: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó apareceu-me.'" Ex 3,1-6.16
    Já durante o Êxodo, porém, ao invés de confundir-Se com um anjo, Deus manifestava apenas Sua Glória: "Enquanto Aarão falava a toda assembleia dos israelitas, olharam para o deserto e eis que a Glória do Senhor apareceu na nuvem!" Ex 16,10
    Mas, nesses assuntos, Moisés realmente era um privilegiado: "Quando Moisés se dirigia para a Tenda, todo mundo levantava-se, cada um diante da entrada de sua tenda, para segui-lo com os olhos até que entrasse na Tenda. E logo que ele acabava de entrar, a coluna de nuvem descia e punha-se à entrada da Tenda, e o Senhor entretinha-se com Moisés. O Senhor entretinha-se com Moisés face-a-face, como um homem fala com seu amigo. Voltava depois Moisés ao acampamento, mas seu ajudante, o jovem Josué, filho de Nun, não se apartava do interior da Tenda." Ex 33,8-9.11
    E o próprio Deus manifestou-Se sobre essa questão: "Maria e Aarão criticaram Moisés por causa da mulher etíope que ele desposara. Moisés tinha, com efeito, tomado uma mulher etíope. 'Porventura é só por Moisés,' diziam eles, 'que o Senhor fala? Não fala Ele também por nós?' E o Senhor ouviu isso. Ora, Moisés era um homem muito humilde, o mais humilde da terra. Logo falou o Senhor a Moisés, a Aarão e a Maria: 'Ide todos três à Tenda de Reunião.' E eles foram. O Senhor desceu na coluna de nuvem e parou à entrada da Tenda. Chamou Aarão e Maria, e eles aproximaram-se. 'Ouvi bem,' disse Ele, 'o que vou dizer: Se há entre vós um Profeta, Eu aparecê-lhe-ei em visão. Eu, o Senhor, é em sonho que lhe falarei. Mas não é assim a respeito de Meu servo Moisés, que é fiel em toda Minha Casa. A ele Eu falo face-a-face, a ele manifesto-Me sem enigmas, e Ele contempla o rosto do Senhor. Por que vos atrevestes, pois, a falar contra Meu servo Moisés?'" Nm 12,1-8
    Mas logo vemos, como na confusão com os anjos, uma pertinente deflecção destas aparições, pois em Sua plena Glória a face de Deus não pode ser vista pelo ser humano em vida: "Moisés disse: 'Mostrai-me Vossa Glória.' E Deus respondeu: 'Vou fazer passar diante de ti todo Meu esplendor, e pronunciarei diante de ti o Nome de Javé. Dou Minha Graça a quem quero, e uso de Misericórdia com quem Me apraz. Mas,' ajuntou o Senhor, 'não poderás ver Minha face, pois o homem não poderia ver-Me e continuar a viver. Eis um lugar perto de Mim', disse o Senhor; 'tu estarás sobre a rocha. Quando Minha Glória passar, pô-te-ei na fenda da rocha e cobri-te-ei com a mão até que Eu tenha passado. Retirarei depois a mão, e ver-Me-ás por detrás. Quanto à Minha face, ela não pode ser vista.'" Ex 33,18-23
    Depois do Êxodo, Deus chamou Samuel, último Juiz e primeiro dos Profetas, excluindo Moisés, e passou a manifestar-Se a ele, antes de a Arca da Aliança cair nas mãos dos filisteus por causa dos pecados de Israel: "Veio o Senhor, pôs-Se junto a ele e chamou-o como das outras vezes: 'Samuel! Samuel!' 'Falai', respondeu o menino, 'Vosso servo escuta!' O Senhor disse a Samuel: 'Eis que vou fazer uma tal coisa em Israel, que a todo que a ouvir ficá-lhe-ão retinindo os ouvidos. Naquele dia cumprirei contra Heli todas ameaças que pronunciei contra sua casa. Começarei e irei até o fim. Anunciei-lhe que Eu condenaria para sempre sua família, por causa dos crimes que ele sabia que seus filhos cometiam, e não os corrigiu. Por isso, jurei à casa de Heli que sua culpa jamais seria expiada, nem com sacrifícios nem com oblações.' Samuel ficou deitado até pela manhã, quando abriu as portas da Casa do Senhor. Ele temia contar a visão a Heli. Heli, porém chamou-o e disse: 'Samuel, meu filho!' 'Eis-me aqui', respondeu ele. E Heli: 'Que te disse Ele? Não me ocultes nada. Que Deus te trate com toda severidade se me encobrires algo de tudo o que Ele te disse.' Então Samuel lhe contou tudo, sem nada ocultar. Heli exclamou: 'O Senhor fará o que Lhe parecer melhor.' Samuel crescia, e o Senhor estava com ele. Ele não negligenciava nenhuma de Suas palavras. Todo Israel, desde Dã até Bersabeia, reconheceu que Samuel era um Profeta do Senhor. E o Senhor continuou a manifestar-Se em Silo. É ali que o Senhor aparecia a Samuel, descobrindo-lhe Sua Palavra." 1 Sm 3,10-21
    E assim Deus revelou e sustentou os reis de Israel, como a Samuel e a Natã fez antever Davi: "Outrora, em visão, falastes aos Vossos santos e disseste-lhes: 'Impus a coroa a um herói, escolhi Meu eleito dentre o povo. Encontrei Davi, Meu servidor, e sagrei-o com Minha santa unção. Sempre lhe assistirá Minha mão, e Meu braço fortalecê-lo-á. Não há de surpreendê-lo o inimigo, nem ousará oprimi-lo o malvado. Sob seus olhos esmagarei seus contrários, serão feridos aqueles que o odeiam. Com ele ficarão Minha fidelidade e bondade, pelo Meu Nome crescerá seu poder. Estenderei sua mão por sobre o mar, e sua destra acima dos rios. Ele invocá-Me-á: 'Vós sois Meu Pai, Vós sois Meu Deus e Meu protetor rochedo." Sl 88,20-27
    Em seus Salmos, porém, como no tempo de Moisés, Davi registou o sonho do povo de Israel para quando partir deste mundo: a beatífica visão: "... com Vossa mão livrai-me dos homens, desses cuja única felicidade está nesta vida, que têm o ventre repleto de bens, cujos filhos vivem na abundância e ainda deixam aos seus filhos o que lhes sobra. Mas eu, confiado em Vossa justiça, contemplarei Vossa face. Ao despertar, saciar-me-ei com a visão de Vosso Ser." Sl 16,14-15
    E essa passou a ser a tônica das celebrações: "Quem será digno de subir ao monte do Senhor? Ou de permanecer em Seu Santo lugar? O que tem as mãos limpas e o coração puro, cujo espírito não busca as vaidades nem perjura para enganar seu próximo. Este terá a bênção do Senhor, e a recompensa de Deus, Seu Salvador. Tal é a geração daqueles que O procuram, daqueles que buscam a face do Deus de Jacó." Sl 23,3-6
    Era o pedido das orações: "Fala-Vos meu coração, minha face busca-Vos. Vossa face, ó Senhor, eu procuro-a. Não escondais de mim Vosso semblante, não afasteis com ira Vosso servo." Sl 26,8-9a
    E frequente: "... quando irei contemplar a face de Deus?" Sl 41,3
    "Ó Senhor, não me afasteis de Vossa face..." Sl 50,13a
    Mas se este rei pretendia construir um Templo para Deus, este desejo só se realizaria através de seu filho Salomão, enquanto que o definitivo Reino só viria através de Jesus, como o Profeta Natã previu: "Quando Davi se instalou em sua casa, disse ao Profeta Natã: 'Eis que moro numa casa de cedro e a Arca da Aliança do Senhor está debaixo de uma Tenda.' Natã respondeu: 'Faze o que teu coração te sugere, porque Deus está contigo.' Mas, na seguinte noite, a Palavra de Deus foi dirigida a Natã nestes termos: 'Vai e dize a Davi, Meu servo: Eis o que diz o Senhor: Não és tu que Me construirás a Casa em que habitarei. Nunca habitei numa casa, desde o dia em que fiz sair Israel do Egito até hoje, mas tenho estado de Tenda em Tenda, de morada em morada. Quando teus dias se acabarem e tiveres ido juntar-te a teus pais, levantarei tua posteridade após ti, num de teus filhos, e firmarei Seu Reino. É Ele que Me construirá uma Casa e firmarei Seu trono para sempre. Serei para Ele um pai, e Ele será para Mim um filho. E nunca retirarei d'Ele Meu favor, como retirei daquele que reinou antes de ti. Eu estabelecê-Lo-ei em Minha Casa e em Meu Reino para sempre, e Seu trono será firme por todos séculos.' Natã referiu a Davi todas palavras que tinha ouvido em visão." 1 Cr 17,1-5.11-15


    O Anjo da Guarda de Elias, então mais claramente se apresentando, alimentou-o no deserto, e, à semelhança da aparição a Moisés, Deus apresentou-Se enquanto ele fugia da rainha Jezabel, que obrigava os sacerdotes de Israel a prestar culto a Baal: "Elias teve medo, e partiu para salvar sua vida. Chegando a Bersabeia, em Judá, ali deixou seu servo e andou pelo deserto um dia de caminho. Sentou-se debaixo de um junípero e desejou a morte: 'Basta, Senhor', disse ele, 'tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais.' Deitou-se por terra e adormeceu debaixo do junípero. Mas eis que um anjo tocou-o, e disse: 'Levanta-te e come.' Elias olhou e viu junto à sua cabeça um pão cozido debaixo da cinza, e um vaso de água. Comeu, bebeu e tornou a dormir. Veio o anjo do Senhor pela segunda vez, tocou-o e disse: 'Levanta-te e come, porque tens um longo caminho a percorrer.' Elias levantou-se, comeu e bebeu e, com o vigor daquela comida, andou quarenta dias e quarenta noites, até Horeb, a montanha de Deus. Ali chegando, passou a noite numa caverna. Então a Palavra do Senhor lhe foi dirigida: 'Que fazes aqui, Elias?' Ele respondeu: 'Estou devorado de zelo pelo Senhor, o Deus dos Exércitos. Porque os israelitas abandonaram Vossa Aliança, derrubaram Vossos altares e passaram Vossos Profetas a fio de espada. Só eu fiquei, e querem tirar-me a vida.' O Deus desse-lhe: 'Sai e conserva-te em cima do monte na presença de Javé: Ele vai passar.' Nesse momento, passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento que fendia as montanhas e quebrava os rochedos, mas o Senhor não estava naquele vento. Depois do vento, a terra tremeu, mas o Senhor não estava no tremor de terra. Passado o tremor de terra, acendeu-se um fogo, mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma leve brisa. Tendo ouvido isso, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. O Senhor disse-lhe: 'Retoma o caminho do deserto, em direção a Damasco. Ali chegando, ungirás Hazael como rei da Síria, Jeú, filho de Namsi, como rei de Israel, e Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meula, como Profeta em teu lugar." 1 Rs 19,3-13a.15-16
    E assim Eliseu viu Elias ser arrebatado ao Céu, após ter cumprido sua missão: "Elias tomou seu manto, dobrou-o e com ele feriu as águas, que se separaram para as duas bandas, de modo que atravessaram ambos a pé enxuto. Tendo passado, Elias disse a Eliseu: 'Pede-me algo antes que eu seja arrebatado de ti. Que posso fazer por ti?' Eliseu respondeu: 'Seja-me concedida a dobrada porção de teu espírito.' 'Pedes uma difícil coisa', replicou Elias. 'Entretanto, se me vir quando eu for arrebatado de ti, isso te será dado, mas se não me vires, não te será dado.' Continuando seu caminho, entretidos a conversar, eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou um do outro, e Elias subiu ao Céu num turbilhão. Vendo isso, Eliseu exclamou: 'Meu pai, meu pai! Carro e cavalaria de Israel!' E não o viu mais. Tomando, então, suas vestes, rasgou-as em duas partes. Apanhou o manto que Elias deixara cair, e voltando até o Jordão, parou à beira do rio. Tomou o manto que Elias deixara cair e com ele feriu as águas, dizendo: 'Onde está o Senhor, o Deus de Elias? Onde está Ele?' Tendo ferido as águas, estas separaram-se para um e outro lado, e Eliseu passou. Os filhos dos Profetas que estavam em Jericó, vendo o que acontecera defronte deles, disseram: 'O Espírito de Elias repousa em Eliseu.'" 2 Rs 2,8-15a
    Por revelação, Eliseu anteviu o mal que Hazael faria a Israel: "Hazael partiu e foi ao encontro do homem de Deus, consigo levando presentes, o que havia de melhor em Damasco, em quarenta camelos carregados. Chegando aonde ele estava, disse-lhe: 'Teu filho Ben-Hadad, rei da Síria, mandou-me ter contigo para perguntar-te se sairá vivo de sua enfermidade.' Eliseu respondeu-lhe: 'Vai e dize-lhe que ele certamente será curado. Mas o Senhor revelou-me que ele morrerá.' Depois o homem de Deus fixamente o olhou, de modo que Hazael se sentiu perturbado. E o homem de Deus pôs-se a chorar. 'Por que chora meu senhor?', perguntou Hazael. Ele respondeu: 'Porque sei os males que farás aos israelitas: incendiarás suas cidades fortes, passarás a fio de espada seus jovens, esmagarás suas crianças e rasgarás pelo meio o ventre de suas mulheres grávidas.' 'Será teu servo porventura um cão', disse-lhe Hazael, 'para fazer tais coisas?' Eliseu respondeu: 'O Senhor mostrou-me numa visão que serás rei da Síria.'" 2 RS 8,9-13
    E o Profeta Oseias, fazendo um rápida revisão da história de Israel até então, menciona a divina assistência e as já muitas e gritantes quedas por infidelidade, que não ficariam sem os devidos castigos: "'Efraim cerca-Me de mentira, e a casa de Israel, de hipocrisia; Judá é um traidor testemunho de Deus, que tem comércio com as hierodulas.' O Senhor está em processo com Judá. Vai castigar Jacó pelos seus atos e tratá-lo segundo suas obras. Desde o nascimento, Jacó suplantou o irmão, e quando se tornou adulto, lutou com Deus. Lutou com o anjo e venceu-o, chorou e pediu-lhe Graça. Encontrou-o em Betel, onde Deus nos falou, o Senhor, Deus dos Exércitos, Cujo Nome é Javé. 'Falei aos Profetas e multipliquei as visões. Pela boca dos Profetas, falei em comparações.' O Senhor fez sair Israel do Egito por um Profeta, por um Profeta foi guardado o povo. Efraim causou amargos desgostos. Por isso, o sangue que derramou recairá sobre ele, e Seu Senhor pagá-lhe-á seus ultrajes." Os 12,1.3-6.11.14-15

GRANDIOSAS VISÕES

    Em seguida, através do Profeta Isaías, as visões assumem uma ainda maior grandeza, certamente para maior impacto perante a já vasta e instruída população de Israel, e Deus determina que a atividade profética deveria seguir até a completa devastação da terra, após a grande apostasia. Note-se: até os serafins cobrem o rosto diante do Senhor: "No ano da morte do rei Ozias, eu vi o Senhor sentado num trono muito elevado. As franjas de Seu manto enchiam o Templo. Os serafins mantinham-se junto a Ele. Cada um deles tinha seis asas: com um par de asas velavam a face, com outro cobriam os pés e, com o terceiro, voavam. Suas vozes revezavam-se e diziam: 'Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do Universo! A terra inteira proclama Sua Glória!' A este brado, as portas estremeceram em seus gonzos e a casa encheu-se de fumo. 'Ai de mim', gritava eu. 'Estou perdido porque sou um homem de impuros lábios, e habito com um povo também de impuros lábios e, no entanto, meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!' Porém, um dos serafins voou em minha direção. Trazia na mão uma viva brasa, que tinha tomado do altar com uma tenaz. Aplicou-a na minha boca e disse: 'Tendo esta brasa tocado teus lábios, teu pecado foi tirado, e tua falta, apagada.' Então ouvi a voz do Senhor que dizia: 'Quem enviarei Eu? E quem irá por Nós?' 'Eis-me aqui', disse eu, 'enviai-me.' 'Vai, pois, dizer a esse povo', disse Ele: 'Escutai, sem chegar a compreender, olhai, sem chegar a ver. Obceca o coração desse povo, ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, de modo que nada veja com seus olhos, não ouça com seus ouvidos, não compreenda nada com seu espírito. E não se cure de novo.' Eu perguntei: 'Até quando, Senhor?' E Ele respondeu: 'Até que as cidades fiquem devastadas e sem habitantes, as casas, sem gente, e a terra, deserta! Até que o Senhor tenha banido os homens, e grande seja a solidão na terra! Se restar um décimo da população, ele será lançado ao fogo, como o terebinto e o carvalho, cuja linhagem permanece quando são abatidos. Sua linhagem é um germe santo.'" Is 6,1-13
    E a este grande Profeta, Deus revela o Cristo, dando minuciosos detalhes desde Seu Nascimento entre os pobres, bem como de Sua Crucificação e Morte: "Cresceu diante de Deus como um pobre rebento enraizado numa árida terra. Não tinha graça nem beleza para atrair nossos olhares, e Seu aspecto não podia seduzir-nos. Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos. Como aqueles diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e d'Ele não fazíamos caso. Em verdade, Ele tomou sobre Si nossas enfermidades e carregou nossos sofrimentos, e nós reputávamo-Lo como um castigado, ferido e humilhado por Deus. No entanto, Ele foi castigado por nossos crimes e esmagado por nossas iniquidades. O castigo que nos salva pesou sobre Ele, fomos curados graças às Suas chagas. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas, seguíamos cada qual nosso caminho. O Senhor fazia recair sobre Ele o castigo das faltas de todos nós. Foi maltratado e resignou-Se, não abriu a boca, como um Cordeiro que se conduz ao matadouro e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. Ele não abriu a boca! Por um iníquo julgamento, foi arrebatado. Quem pensou em defender Sua causa quando foi suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo? Foi-Lhe dada sepultura ao lado de facínoras, e ao morrer achava-Se entre malfeitores, apesar de não haver cometido injustiça alguma e em Sua boca nunca tenha havido mentira. Mas aprouve ao Senhor esmagá-Lo pelo sofrimento. Se Ele oferecer Sua vida em expiatório sacrifício, terá uma duradoura posteridade, prolongará Seus dias, e a vontade do Senhor será por Ele realizada. Após suportar em Sua Pessoa os tormentos, alegrar-Se-á de conhecê-Lo até o enlevo. O Justo, Meu Servo, justificará muitos homens, e sobre Si tomará suas iniquidades." Is 53,1-11
    Elifaz de Temã, amigo de Jó, teve esta visão em tempos que a justiça de Deus era questionada. Teria sido seu Anjo da Guarda? "Uma palavra furtivamente chegou a mim, meu ouvido percebeu o murmúrio, na confusão das visões da noite, na hora em que o sono se apodera dos humanos. Assaltaram-me o medo e o terror, e sacudiram todos meus ossos. Um sopro perpassou meu rosto, e fez arrepiar o pelo de minha pele. Lá estava um ser, não lhe vi o rosto, como um espectro sob meus olhos. Ouvi uma débil voz: 'Pode um homem ser justo na presença de Deus, pode um mortal ser puro diante de seu Criador? Ele não confia nem em Seus próprios servos. Até mesmo em Seus anjos encontra defeitos, quanto mais em Seus hóspedes das casas de argila que têm o pó por fundamento! São esmagados como uma traça, entre a noite e a manhã são aniquilados. Sem que neles se preste atenção, morrem para sempre. Não foi arrancada a estaca da tenda deles? Morrem por não terem conhecido a Sabedoria.'" Jó 4,12-21
    E seu segundo amigo, Eliú, também advertiu a Jó por sua insensatez naqueles tempos de castigos: "Pois Deus fala de uma maneira e de outra e não prestas atenção. Por meio de sonhos, de noturnas visões, quando um profundo sono pesa sobre os humanos, enquanto o homem está adormecido em seu leito, então abre o ouvido do homem e assusta-o com Suas aparições, a fim de desviá-lo do pecado e preservá-lo do orgulho, para salvar-lhe a alma do fosso, e sua vida, da mortífera seta." Jó 33,14-18
    Vieram, pois, os tempos de escravidão na Babilônia, quando outro Profeta aconselhava o último rei de Judá: "E Jeremias então disse a Sedecias: 'Eis o que diz o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel: Se te entregares aos oficiais do rei de Babilônia, terás a vida salva e a cidade não será queimada. E sobreviverás, assim como tua família. Mas se não te entregares aos oficiais do rei de Babilônia, cairá a cidade nas mãos dos caldeus, os quais a incendiarão. E tu não lhes escaparás.' 'Temo os judeus', replicou o rei Sedecias, 'que já se aliaram aos caldeus e maltratá-me-ão se a eles for entregue.' 'Tal não acontecerá', retorquiu Jeremias. 'Escuta, portanto, a voz do Senhor naquilo que te digo: Nada te acontecerá e terás a vida salva. Mas se recusares entregar-te, eis a visão que o Senhor me mostrou: todas mulheres que ficarem no palácio do rei de Judá serão entregues aos oficiais do rei de Babilônia. E elas dirão: 'Foste enganado, e subjugaram-te teus bons amigos. Desapareceram, enquanto teus pés se atolavam na lama.' Todas tuas mulheres e teus filhos serão entregues aos caldeus. E tu não lhes escaparás. Serás feito prisioneiro pelo rei de Babilônia e a cidade será entregue às chamas!'" Jr 38,17-23
    Uma vez no exílio da Babilônia, Deus revelava Seus desígnios através do Profeta Daniel: "O rei dirigiu a palavra a Daniel, que tinha o cognome de Baltazar: 'És realmente capaz', disse-lhe, 'de desvendar-me o sonho que tive e fornecer-me a interpretação?' 'O mistério cuja revelação o rei pede', respondeu Daniel ao rei, 'nem os sábios, nem os mágicos, nem os feiticeiros, nem os astrólogos são capazes de revelar-lhos. Mas no Céu existe um Deus que desvenda os mistérios, o Qual quis revelar ao rei Nabucodonosor o que deve suceder no decorrer dos tempos. Eis, portanto, teu sonho e as visões que se apresentaram a teu espírito quando estavas em teu leito. Senhor, os pensamentos que vieram ao teu espírito, enquanto estavas em teu leito, são previsões do futuro: Aquele que revela os mistérios mostrou-te o futuro." Dn 2,26-29
    Assim foi desde de sua juventude: "A esses quatro jovens Deus concedeu inteligência e conhecimento das letras e das ciências, e a Daniel, o dom da interpretação de todos sonhos e visões." Dn 1,17
    E estas manifestações, como vistas por Isaías, voltavam a revelar Sua face, ainda que de alguma transfigurada forma, para que pudesse ser contemplada pelo ser humano. Mas, sem dúvida, entre várias visões que teve, Daniel viu a Deus e a Jesus: "No primeiro ano do reinado de Baltazar, rei de Babilônia, Daniel, estando em seu leito, teve um sonho e visões surgiram em seu espírito. Consignou por escrito esse sonho e a substância dos fatos. Assim se manifestou: 'Via, no transcurso de minha noturna visão, os quatro ventos do Céu precipitarem-se sobre o Grande Mar. Continuei a olhar, até o momento em que foram colocados os tronos e um Ancião chegou e sentou-Se. Brancas como a neve eram Suas vestes, e tal como a pura lã era Sua cabeleira. Seu trono era feito de chamas, com rodas de fogo ardente. Saído de diante d'Ele, corria um rio de fogo. Milhares e milhares serviam-nO, dezenas de milhares assistiam-nO! O tribunal deu audiência e os livros foram abertos. Sempre olhando a noturna visão, vi um Ser, semelhante ao Filho do Homem, vir sobre as nuvens do Céu: dirigiu-Se para o lado do Ancião, diante de Quem foi conduzido. A Ele foram dados império, Glória e realeza, e todos povos, todas nações e povos de todas as línguas serviram-nO. Seu domínio será eterno, nunca cessará, e Seu Reino jamais será destruído.'" Dn 7,1-2.9-10.13-14
    E não foi apenas uma vez, pois Jesus e um anjo tornaram a aparecer-lhe para anunciar o tempo da ira de Deus: "No vigésimo quarto dia do primeiro mês, encontrava-me à beira do grande rio, o Tigre. Levantando os olhos, vi um Homem vestido de linho. Cingia-Lhe os rins um cinto de ouro de Ufaz. Seu Corpo era como o crisólito. Seu rosto brilhava como o relâmpago, Seus olhos, como tochas ardentes, Seus braços e pés tinham o aspecto do bronze polido, e Sua voz ressoava como o rumor de uma multidão. Eu, Daniel, era o único a ver essa aparição. Meus companheiros não a viram, mas deles apoderou-se tão grande pavor que fugiram para esconder-se. Fiquei, portanto, sozinho a contemplar essa grandiosa aparição. As forças abandonaram-me: a tez de meu rosto tornou-se lívida e eu desfaleci. Ouvi, então, esse Homem falar, e ao som de Suas palavras caí desmaiado, com o rosto por terra. Eis, porém, que uma mão me tocou, e fez com que me erguesse sobre os joelhos e as palmas das mãos. 'Daniel, homem de predileção', disse-me Ele, 'presta atenção às palavras que vou dirigir-te. Levanta-te, pois tenho uma mensagem a confiar-te.' Como me falasse assim, levantei-me tremendo. Enquanto assim me falava, eu mantinha meus olhos fixos no chão e permanecia mudo. De repente, alguém semelhante a um Filho de Homem tocou-me nos lábios. Abri a boca e falei, disse ao que estava perto de mim: 'Meu Senhor, essa visão transtornou-me, e estou sem forças. Como poderia o servo de Meu Senhor conversar com Seu Senhor, quando está sem forças e sem fôlego?' Então o Ser em humana forma me tocou novamente e me reanimou. 'Não temas nada, homem de predileção! Que a Paz esteja contigo! Coragem, coragem!' Enquanto Ele me falava, senti-me reanimado. 'Fala, Meu Senhor', disse, 'pois Tu restituíste minhas forças.'" Dn 10,4-11.15-19
    Ezequiel, noutra impressionante aparição, viu em detalhes a Glória de Deus sobre quatro querubins, que simbolizariam os quatro Evangelhos. Eram consolações e revelações em tempos do exílio: "No trigésimo ano, no quinto dia do quarto mês, quando me encontrava entre os deportados, às margens do rio Cobar, abriram-se os Céus e contemplei divinas visões. No quinto dia do mês, era o quinto ano de cativeiro do rei Joaquim, foi a Palavra do Senhor dirigida ao sacerdote Ezequiel, filho de Buzi, na Caldeia, às margens do rio Cobar. Nesse lugar, veio a mão do Senhor sobre mim. Então tive uma visão: do lado norte soprava um impetuoso vento, uma espessa nuvem com um feixe de resplandecente fogo, e, no centro, saído do meio do fogo, algo que possuía um vermelho brilho. Distinguia-se no centro a imagem de quatro seres que aparentavam possuir humana forma. Cada um tinha quatro faces e quatro asas. Suas pernas eram direitas e as plantas de seus pés assemelhavam-se às do touro, e cintilavam como bronze polido. De seus quatro lados mãos humanas saíam por debaixo de suas asas. Suas asas tocavam uma na outra. Quando se locomoviam, não se voltavam: cada um andava para frente. Quanto ao aspecto de seus rostos, todos eles tinham humana figura, todos quatro uma face de leão pela direita, todos quatro uma face de touro pela esquerda, e todos quatro uma face de águia. Suas asas estendiam-se para o alto. Cada qual tinha duas asas que tocavam às dos outros, e duas que lhe cobriam o corpo. Pairando acima desses seres, havia algo que se assemelhava a uma abóbada, límpida como cristal, estendida sobre suas cabeças. Sob essa abóbada, alongavam-se suas asas até se tocarem, tendo cada um sempre duas que lhe cobriam o corpo. Eu escutava, quando eles caminhavam, o ruído de suas asas, semelhante ao barulho das grandes águas, à voz do Onipotente, um vozerio igual ao de um campo de batalha. Acima dessa abóbada havia uma espécie de trono, semelhante a uma pedra de safira, e, bem no alto dessa espécie de trono, uma Humana Silhueta. Vi que ela possuía um vermelho fulgor, como se houvesse sido banhada no fogo, desde o que parecia ser sua cintura, para cima, enquanto que, para baixo, vi algo como fogo que esparzia clarões por todos lados. Como o arco-íris que aparece nas nuvens em dias de chuva, assim era o resplendor que a envolvia. Era esta visão a imagem da Glória do Senhor." Ez 1,1-8a.9-10.11b.22-24.26-28
    E também não lhe foi a única vez, pois as profanações que se viam então eram abomináveis: "No sexto ano, no quinto dia do sexto mês, estava eu sentado em minha casa, com os anciãos de Judá, quando a mão do Senhor baixou sobre mim. Olhei: enxerguei algo como uma Humana Silhueta. Abaixo do que parecia serem seus rins, era fogo e, desde os rins até o alto, havia um vermelho clarão. Estendeu uma espécie de mão, e agarrou-me pelos cachos dos cabelos. O espírito levantou-me entre o céu e a terra, e levou-me a Jerusalém, em divinas visões, à entrada da porta interior que olha para o norte, lá onde se erige o ídolo que provoca o ciúme do Senhor. Lá se manifestou a mim a Glória do Deus de Israel, tal como a visão que tive no vale." Ez 8,1-4
    Por fim, Deus anuncia que Sua paciência, bem como o que restava de didático caráter em Suas manifestações, chegavam ao fim, pois Sua Glória seria retirada de Jerusalém: "A Palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 'Filho do homem, que ditado é esse que corre em Israel: Passam os dias, mas as visões ficam sem efeito? Pois bem, dize-lhes: Eis o que diz o Senhor: Farei cessar esse provérbio, não se repetirá mais isso em Israel. Dize-lhes, pois: Aproximam-se os dias em que todas essas visões hão de cumprir-se. Daqui por diante, nenhuma visão será vã e nenhum oráculo, ineficaz em Israel, porque sou Eu, o Senhor, que falo: O que Eu digo sucederá sem mais delongas. É em vosso tempo, raça de rebeldes, que proferirei o Oráculo e executar-lo-ei, Oráculo do Senhor Javé." Ez 12,21-25
    E Ezequiel foi o encarregado por Deus para desmentir os falsos profetas, anunciando-lhes severas punições: "A Palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 'Filho do Homem, profetiza contra os profetas israelitas que pretendem profetizar, dize àqueles que profetizam de sua própria cabeça: Escutai a Palavra do Senhor! Eis o que diz o Senhor Javé: 'Ai dos insensatos profetas que seguem sua própria inspiração sem terem tido visão alguma. Assim como chacais nos esconderijos, tais são teus profetas, ó Israel. Não é verdade que não tendes senão ineptas visões, e não fazeis senão enganadoras predições quando dizeis: Oráculo do Senhor, quando Eu não falei coisa alguma?' E, por isso, eis o que diz o Senhor Javé: 'Porque proferis enganadores oráculos e tendes mentirosas visões, Eu vou castigar-vos,' Oráculo do Senhor Javé. 'Estenderei Minha mão contra esses profetas... Não farão mais parte do conselho do Meu povo, não serão inscritos no número da Casa de Israel e não regressarão à terra de Israel. E saberão assim que sou Eu o Senhor Javé. Porquanto abusam do Meu povo, dizendo: 'Tudo vai bem, quando tudo vai mal.'" Ez 13,1-4.7-9a.10


    Mas também é revelado ao Profeta Ezequiel o poder de Deus para a Ressurreição da carne, na gloriosa visão do Vale dos ossos: "A mão do Senhor desceu sobre mim. Ele arrebatou-me em espírito e colocou-me no meio de uma planície que estava coberta de ossos. Ele fez-me circular em todos sentidos no meio desses numerosos ossos que jaziam na superfície. Vi que estavam inteiramente secos. Disse-me o Senhor: 'Filho do homem, poderiam esses ossos retornar à vida?' 'Senhor Javé,' respondi, 'só Vós o sabeis.' Ele disse-me então: 'Profere um Oráculo sobre esses ossos. Ossos dessecados, di-lhes-ás tu, escutai a Palavra do Senhor: Eis o que vos declara o Senhor Javé: Vou fazer em vós reentrar o sopro da Vida, para fazer-vos reviver. Em vós porei músculos, sobre vós farei vir carne, de pele cobri-vos-ei; depois farei entrar em vós o sopro da Vida, a fim de que revivais. E assim sabereis que Eu sou o Senhor.' Profetizei, pois, assim como tinha recebido ordem. No momento em que comecei, um barulho fez-se ouvir, em seguida um ensurdecedor ruído, enquanto os ossos vinham unir-se aos outros. Prestando atenção, vi que sobre eles se formavam músculos, que neles nascia carne e que uma pele os recobria. Todavia, não tinham espírito. 'Profetiza ao Espírito,' disse-me o Senhor, 'profetiza, filho do homem, e dirige-te ao Espírito: Eis o que diz o Senhor Javé: Vem, Espírito, dos quatro cantos do Céu, sopra sobre esses mortos para que revivam.' Proferi o Oráculo que Ele me havia ditado, e daí a pouco o Espírito penetrou neles. Retornando à vida, eles levantaram-se sobre seus pés: um grande, um imenso exército. Então o Senhor me disse: 'Filho do homem, esses ossos são toda raça dos israelitas. Eles dizem: Nossos ossos estão secos, nossa esperança está morta; estamos perdidos! Por isso, dirige-lhes o seguinte Oráculo: Eis o que diz o Senhor Javé: Ó Meu povo, vou abrir vossos túmulos. Fá-vos-ei deles sair para transportar-vos à terra de Israel. Sabereis que Eu é que sou o Senhor, ó Meu povo, quando Eu abrir vossos túmulos e dele fizer-vos sair, quando em vós pôr Meu Espírito para fazer-vos voltar à vida e quando vos restabelecer em vossa terra. Sabereis, então, que sou Eu o Senhor, que o disse e o executei, Oráculo do Senhor.'" Ez 37,1-14
    E igualmente numa visão, Deus determina os detalhes da reconstrução do Templo de Jerusalém: "No ano vinte e cinco da nossa deportação, no começo do ano, no décimo mês, catorze anos após a queda da cidade, naquele mesmo dia, a mão do Senhor veio sobre mim. Deus transportou-me, no curso das divinas visões, à terra de Israel. Ele colocou-me nos cimos de uma muito elevada montanha, sobre a qual pareciam elevar-se, do lado do meio-dia, as construções de uma cidade. Conduzido ao lugar, divisei um homem que parecia ser de bronze, levando nas mãos uma corda de linho e uma cana de agrimensor. Ele permanecia de pé à porta. Esse homem dirigiu-me as seguintes palavras: 'Filho do homem, volta teus olhos, escuta com teus ouvidos, e presta bem atenção a tudo quanto vou mostrar-te, porque é para esse espetáculo que até aqui foste transportado. Darás conhecimento aos israelitas de tudo que vou mostrar-te.' Um muro exterior formava o recinto do Templo. O homem tinha na mão uma cana de agrimensor, de seis côvados (cada côvado tendo um palmo a mais que o côvado corrente). Ele mediu a largura da construção, uma cana, e a altura, também uma cana." Ez 40,1-5
    O Profeta Zacarias, vivendo no mesmo período, tem de Deus a certeza da Paz que então se volta a experimentar, pois Ele claramente demonstra reger toda a terra: "No vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês (o mês de Sabat) do segundo ano do reinado de Dario, a Palavra do Senhor foi dirigida ao profeta Zacarias, filho de Baraquias, filho de Ado, nestes termos: 'Tive uma visão durante a noite. Percebi, entre as murtas do fundo do vale, um homem montado num vermelho cavalo, e atrás dele estavam ruços, alazões e brancos cavalos. Eu perguntei: 'Meu senhor, que cavalos são estes?' E o anjo porta-voz respondeu-me: 'Vou explicar-te.' O homem que se encontrava entre as murtas respondeu: 'Estes são os mensageiros que o Senhor mandou para percorrer a terra.' Então os cavaleiros disseram ao anjo do Senhor que permanecia entre as murtas: 'Acabamos de percorrer toda terra, e vimos que toda terra está em tranqüilidade e descanso.' O anjo do Senhor disse: 'Senhor dos Exércitos! Até quando ficareis insensível à sorte de Jerusalém e das cidades de Judá? Já faz setenta anos que estais irritado contra elas!' O Senhor respondeu ao anjo que me falava, e disse-lhe boas palavras, cheias de consolação. E o anjo disse-me: 'Proclama o seguinte: Eis o que diz o Senhor dos Exércitos: Estou animado de ardente amor por Jerusalém e por Sião. Porém, sumamente irritado contra as nações que vivem despreocupadas. Eu só estava ligeiramente agastado contra Israel, mas estas nações ultrapassaram a medida.' Por isso, eis o que diz o Senhor: 'Volto novamente para Jerusalém cheio de compaixão. Minha Casa será nela reedificada,' Oráculo do Senhor dos Exércitos, 'e o cordel será estendido sobre Jerusalém. Farás a seguinte proclamação: Eis o que diz o Senhor dos Exércitos: Minhas cidades terão de novo muitas riquezas. O Senhor será a consolação de Sião, e sua escolha cairá novamente sobre Jerusalém.'" Zc 1,7-17
    E assim Deus volta a habitar no Templo de Jerusalém até a Vinda de Jesus, enquanto Ezequiel se vê sempre assessorado por um anjo: "Então fui conduzido ao pórtico oriental, e eis que a Glória do Deus de Israel chegava do Oriente, com ruído semelhante ao ruído das muitas águas, enquanto a terra resplandecia com seu clarão. A visão que eu contemplava recordava-me a que me havia aparecido quando eu tinha vindo para a destruição da cidade, e a que me havia aparecido nas margens do Cobar. Caí com a face em terra. A Glória do Senhor penetrou no Templo pela porta oriental. O Espírito levou-me e transportou-me ao átrio interior. Eis que o Templo estava cheio do resplendor do Senhor. Ouvi, então, que alguém me falava do interior do Templo, enquanto o homem se conservava sempre a meu lado. 'Filho do homem', disse-me a voz, 'aqui é o lugar de Meu Trono, o lugar onde pus a planta de Meus pés, Minha definitiva morada entre os israelitas. De hoje em diante, nem o povo de Israel, nem seus reis profanarão Meu Santo Nome por suas fornicações nem pelos cadáveres de seus reis, seus altos lugares, pondo seu limiar junto ao Meu limiar, e sua porta junto à Minha porta, não havendo entre Mim e eles senão um muro. É assim que manchavam Meu Santo Nome pelas abominações que cometiam. Por isso, exterminei-os em Minha cólera. Mas, doravante, eles afastarão de Mim suas prostituições e os cadáveres de seus reis, e Eu estabelecerei definitivamente Minha morada entre eles." Ez 43,1-9
    É nessa atmosfera que é prometido o Pentecostes, como anunciou o Profeta Joel, quando pela ação do Santo Paráclito as visões se tornariam ainda mais frequentes: "Depois disso, acontecerá que derramarei Meu Espírito sobre todo ser vivo: vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos, e vossos jovens terão visões. Farei aparecer prodígios no céu e na terra, sangue, fogo e turbilhões de fumo." Jl 3,1.3
    E quando Heliodoro é enviado por Seleuco IV, rei da Ásia, para confiscar os tesouros do Templo de Jerusalém, vai ser confrontado por um Cavaleiro que invoca a imagem do próprio Jesus no Último Dia: "Diante da profanação que ameaçava o Templo, o povo precipitava-se em multidão para fora das casas a fim de ajuntarem-se à prece comum. Causava dó observar toda confusão desse abatido povo, e a angústia em que jazia o sumo sacerdote. Enquanto assim suplicavam a proteção do Todo-Poderoso, para que conservasse invioláveis os depósitos que lhes haviam sido confiados, Heliodoro executava seu intento. Já se achava ali, com seus homens armados, quando o Senhor dos espíritos e Soberano detentor de todo poder suscitou uma tal aparição, que todos que ali haviam ousado vir desfaleceram de espanto, atingidos de pavor ante a majestade de Deus. Viram eles, montado num cavalo ricamente ajaezado e furiosamente guiado, um Cavaleiro de terrível aspecto, que lançava em Heliodoro as patas dianteiras do cavalo. O que nele vinha montado parecia ter uma armadura de ouro. Ao mesmo tempo, apareceram-lhe outros dois jovens, cheios de extraordinária força, fulgurantes de luz, ricamente vestidos. Colocando-se dos dois lados, puseram-se eles a açoitá-lo sem interrupção e descarregaram sobre ele uma saraivada de golpes. Logo atirado por terra, Heliodoro foi envolvido por espessas trevas. Seus companheiros ergueram-no e depositaram-no numa liteira. E ele, que vinha para penetrar no mencionado tesouro com numerosa escolta e guardas pessoais, incapaz de ajudar a si mesmo, foi levado por pessoas que reconheciam o manifesto poder de Deus." 2 Mac 3,18.21-28
    Mas o Templo acabou pilhado, por traição de Menelau, causando uma rebelião em Jerusalém, e o governador da Síria no Império Selêucida, que partira para atacar o Egito, viu espantosos sinais nos céus: "Por essa ocasião, Antíoco organizou sua segunda expedição ao Egito. Aconteceu que em toda cidade e por mais de quarenta dias apareceram, correndo pelos ares, cavaleiros vestidos de ouro e armados com lanças, cortes armadas, espadas desembainhadas, esquadrões alinhados para a batalha, perseguições e choques de um lado e de outro, movimentos de escudos, florestas de lanças, tiros de dardos, armaduras de ouro resplandecentes e couraças de todo gênero. Por isso, todos rezavam para que tais aparições produzissem felizes resultados." 2 Mc 5,1-4
    O Eclesiástico, enfim, trata de fulminar falsos profetas e falsos videntes: "O insensato vive de quiméricas esperanças, os imprudentes edificam sobre sonhos. Como aquele que procura agarrar uma sombra ou perseguir o vento, assim é o que se prende a enganadoras visões. Isto segundo aquilo, eis o que se vê nos sonhos. É como a imagem de um homem diante dele próprio. Que coisa pura poderá vir do impuro? Que verdade pode vir da mentira? A adivinhação do erro, os mentirosos augúrios e os sonhos dos maus, tudo isso não passa de vaidade. Teu coração, como o de uma mulher que está de parto, sofrerá imaginações. A menos que o Altíssimo te envie uma visão, não detenhas nelas teu pensamento, pois os sonhos fizeram errar muita gente, que pecou porque neles punham sua esperança. A Palavra da Lei cumpre-se integralmente, e a Sabedoria tornar-se-á evidente na boca do homem fiel. Que sabe aquele que não foi experimentado? O homem de grande experiência tem inúmeras idéias, aquele que muito aprendeu fala com Sabedoria. Aquele que não tem experiência pouca coisa sabe, mas o que passou por muitas dificuldades desenvolve a prudência." Eclo 34,1-10


    E o livro da Sabedoria, lembrando os amigos de Jó, invoca a nona praga do Egito, as trevas por três dias, como mostra do quanto a falsidade em que se vive, longe da realidade revelada por Deus, pode ser tenebrosa. Sem dúvida, nestes casos não só assombrações se fazem presente, mas o próprio inferno: "Em verdade, grandes e impenetráveis são Vossos juízos, Senhor, por isso grosseiras almas caíram no erro. Por terem acreditado que podiam oprimir a Santa Nação, os ímpios, prisioneiros das trevas e encarcerados por uma longa noite, jaziam encerrados em suas casas, tentando escapar à Vossa incessante vigilância. Depois de terem imaginado que, com seus secretos pecados, ficariam escondidos sob o sombrio véu do esquecimento, eles viram-se dispersos como presa de um terrível espanto e amedrontados por alucinações. Mesmo o mais afastado lugar em que se abrigavam não os punha ao abrigo do terror: ruídos aterradores ressoavam em torno deles, e taciturnos espectros de lúgubre aspecto apareciam-lhes. Nenhuma chama, por intensa que fosse, chegava a iluminar. E a brilhante luz dos astros era impotente para alumiar esta sombria noite. Mas, de súbito, aparecia-lhes nada mais que uma aterradora chama, e, tomados de terror por esta fugitiva visão, julgavam ainda mais terríveis essas aparições. A arte dos mágicos mostrou-se ilusória, e esta sabedoria, a que eles pretendiam, vergonhosamente evidenciou-se como falsidade. Aqueles que se jactavam de banir das doentes almas o terror e a perturbação, eram eles mesmos atormentados por um ridículo temor. Mesmo quando nada de mais grave os aterrorizava, a passagem dos animais e o silvo das serpentes punham-nos fora de si, e eles morriam de medo. Recusavam até mesmo contemplar essa atmosfera à qual nada podia escapar, porque a maldade, condenada por seu próprio testemunho, é medrosa, e sob o peso da consciência sempre supõe o pior. Pois o temor não é outra coisa que a privação dos socorros trazidos pela reflexão, porque, quanto menor for em sua alma a esperança de auxílio, tanto mais penosa é a ignorância daquilo de que se tem medo. Eles, durante essa noite de impotência, saída dos recantos do impotente Hades, dormiam num mesmo sono, agitados de um lado pelo terror dos espectros, e paralisados de outro pelo desfalecimento da alma, porque era um repentino e inesperado pavor que se abatia sobre eles. E todo aquele que sem força caía, ficava como que preso e encerrado num cárcere sem ferros. Fosse ele camponês ou pastor, ou o operário que sozinho se afadiga em seu trabalho, uma vez surpreendido, tinha de suportar a inevitável necessidade, porque todos estavam ligados por uma mesma cadeia de trevas. O silvo do vento, o harmonioso canto dos passarinhos nos espessos ramos, o murmúrio da água correndo precipitadamente, o estrondo das rochas que se despenhavam, a invisível carreira dos animais que saltavam, os urros dos selvagens animais, o eco que repercutia nas cavidades dos montes: tudo paralisava-os de terror. Enquanto o mundo inteiro era alumiado por uma brilhante luz, e sem obstáculo entregava-se às suas ocupações, somente sobre eles se estendia uma pesada noite, imagem das trevas que mais tarde deviam acolhê-los. E eram, para si mesmos, mais insuportável peso que esta escuridão." Sb 17,1-20

   "Alegrai-nos, ó Pai, com Vossa Luz!"