segunda-feira, 10 de julho de 2023

A Violência nos Desígnios de Deus


    Num tempo em que, de nossa pretensa civilidade, a paz parece ter-se tornado um imperativo moral, para muita gente é difícil compreender a violência que se vê nas páginas da Bíblia. Ou ainda mais complicado: que tal violência tenha sido tolerada, permitida, ordenada ou mesmo protagonizada por Deus.
    Um exemplo na memória dos fiéis é quando Deus pede a Abraão que Lhe sacrifique seu único filho, nascido em sua velhice: "Deus disse: 'Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac. E vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que Eu te indicar.'" Gn 22,2
    E embora Ele tenha revogado essa ordem no último instante, através de Seu anjo, o impacto dessa experiência jamais se abrandaria: "Nesse momento, o anjo de Javé chamou-o lá do Céu e disse: 'Abraão, Abraão!' Ele respondeu: 'Aqui estou!' O anjo continuou: 'Não estenda a mão contra o menino! Não lhe faça nenhum mal! Agora sei que você teme a Deus, pois não me recusou seu único filho.'" Gn 22,11-12
    Assim o sacrifício de animais, uma prática também violenta e que por séculos perpetuaria a lembrança desse momento, mesmo não sendo nada diferente da realidade vista nos matadouros, passou a ser um rito: "Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos. E tomando-o, ofereceu-o em holocausto em lugar de seu filho." Gn 22,13
    Na verdade, porém, pelo projeto inicial da Criação, humanos e animais deveriam ser vegetarianos, como foi dito a Adão: "Deus disse: 'Eis que Eu vos dou toda erva que dá semente sobre a terra, e todas frutíferas árvores que em si mesmas contêm sua semente, para que vos sirvam de alimento. E a todos animais da terra, a todas aves dos céus, a tudo que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, Eu dou toda erva verde por alimento.' E assim fez-se." Gn 1,29-30
    Isso tem tudo a ver com a literal e ampla interpretação que se faz do quinto Mandamento: "Não matarás." Ex 20,13
    No entanto, após o dilúvio, catástrofe igualmente brutal ainda que motivada pelo pecado espalhado pelo mundo, veio nova ordem de Deus: "Vós sereis objeto de temor e de espanto para todo animal da terra, toda ave do céu, tudo que se arrasta sobre o solo e todos peixes do mar: eles são-vos entregues em mão. Tudo que se move e vive servi-vos-á de alimento. Eu dou-vos tudo isto, como vos dei a erva verde." Gn 9,2-3
    Tempos mais tarde, porém, o próprio São Paulo vai convir: "Bom é não comer carne..." Rm 14,21
    Ademais, a própria morte, fato inegavelmente devastador, também não estava no projeto original. Foi uma posterior decisão: "O Senhor então disse: 'Meu Espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será de cento e vinte anos.'" Gn 6,3
    E como sinal de seriedade, a Aliança de Deus com Abraão, ao conceder-lhe a Terra Santa, já havia envolvido alguns sacrifícios: "'Toma uma novilha de três anos,' respondeu-lhe o Senhor, 'uma cabra de três anos, um cordeiro de três anos, uma rola e um pombinho.' Abrão tomou todos esses animais, e dividiu-os pelo meio, colocando suas metades uma defronte da outra, mas não cortou as aves." Gn 15,9-10
    No mesmo sentido, alguns séculos mais tarde, no Egito, a libertação do povo judeu não foi nem um pouco pacifista. E uma vez mais temos em cena a imolação de primogênito, agora levada a termo. Deus diz: "Naquela noite, passarei através do Egito. E ferirei os primogênitos no Egito, tanto os dos homens como os dos animais, e exercerei Minha justiça contra todos deuses do Egito. Eu sou o Senhor." Ex 12,12
    Assim, ao cruzar o Mar Vermelho, a fatal realidade já totalmente permeada de violência agora tinha um elemento a mais: o temor ao Senhor: "Foi assim que naquele dia o Senhor livrou Israel da mão dos egípcios. E Israel viu os cadáveres dos egípcios na praia do mar. Viu Israel o grande poder que o Senhor tinha exercido contra os egípcios. Por isso, o povo temeu o Senhor e confiou n'Ele e em Seu servo Moisés." Ex 14,30-31
    Tal temor, no entanto, tem um inegável fundamento didático, como Moisés explicou ao apresentar ao povo os 10 Mandamentos: "... porque é para provar-vos que Deus veio. E para que o temor a Ele, sempre presente aos vossos olhos, preserve-vos de pecar." Ex 20,20b
    Contudo, os castigos que Ele jurava aos transgressores de Israel eram realmente aterradores: "Farei cair sobre vós a espada para vingar Minha Aliança. Se vos ajuntardes em vossas cidades, lançarei a peste no meio de vós e sereis entregues nas mãos de vossos inimigos. Tirá-vos-ei o pão, vosso sustentáculo, de tal sorte que dez mulheres o cozerão em um só forno e vos entregarão por peso. Comereis e não ficareis saciados. Se, apesar disso, não Me ouvirdes, e ainda Me resistirdes, marcharei contra vós em Meu furor e castigá-vos-ei sete vezes mais, por causa de vossos pecados. Comereis a carne de vossos filhos e de vossas filhas." Lv 26,23-29
    E a evocação de Deus como o Senhor dos Exércitos, ainda que de anjos, é recorrente no Antigo Testamento, pois, para o firme estabelecimento de Seu povo na Terra Santa, Ele mesmo prometeu: "Quando saíres à guerra contra teus inimigos, e vires cavalos, carros e um exército mais numeroso que o teu, não tenhas medo, porque o Senhor, Teu Deus, que te tirou do Egito, está contigo." Dt 20,1
    Suas ordens para com estranhos povos eram terríveis: em caso de resistência, mais afastadas cidades passariam pela aniquilação dos homens, e as cidades das quais Israel se apossaria, pela total aniquilação: "Se te recusar a paz e começar a guerra contra ti, tu cercá-la-ás. E quando o Senhor, Teu Deus, houver entregue nas mãos, passarás a fio de espada todos varões que nela houver. Só tomarás para ti as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo que se encontrar na cidade, e viverás dos despojos de teus inimigos que o Senhor, Teu Deus, tiver dado. Farás assim a todas muito afastadas cidades, que não são do número das cidades dessas nações. Quanto às cidades daqueles povos cuja possessão te dá o Senhor, Teu Deus, nelas não deixarás viva alma." Dt 20,12-16
    Sem embargo, nessa região e atmosfera de constantes convulsões dos primeiros séculos, muitos dos Salmos insistentemente falam de ódio aos inimigos. E têm frequentes pedidos de vingança: "Pela vossa bondade, destruí meus inimigos e exterminai todos que me oprimem, pois sou Vosso servo." Sl 142,12
    Eles usam de palavras muito fortes, notadamente os 70 primeiros atribuídos ao rei Davi: "Sim, Deus parte a cabeça de Seus inimigos, o crânio cabeludo do que persiste em seus pecados." Sl 67,22
    E Deus chega a prometer o sangue e a carne dos adversários de Israel: "... para que no sangue deles banhes teus pés, e a língua de teus cães receba os inimigos como ração." Sl 67,24
    Parte dessa hostilidade pode ser entendida como ira de Deus, ou seja, Sua justa reação às ofensas praticadas contra Ele, como as cometidas por Seu próprio povo ao adotar rituais estrangeiros. Diz o Profeta Isaías: "Imola-se um boi e mata-se um homem, sacrifica-se uma ovelha e parte-se a nuca de um cão, apresenta-se uma oblação e derrama-se sangue de porco, queima-se incenso e veneram-se ídolos. Tal como essa gente adere às suas práticas e aprecia seus abomináveis atos, também Eu terei prazer em maltratá-los." Is 66,3-4a
    E aí estariam incluídas as naturais catástrofes, como vemos nos Provérbios: "Uma vez que recusastes Meu chamado, e ninguém prestou atenção quando estendi a mão, uma vez que negligenciastes todos Meus conselhos e não destes ouvidos às Minhas admoestações, Eu também Me rirei de vosso infortúnio e zombarei quando vos sobrevier um terror, quando vier sobre vós um pânico, como furacão, quando se abater sobre vós a calamidade, como a tempestade, e quando caírem sobre vós tribulação e angústia. Então Me chamarão, mas não responderei. Procurá-Me-ão, mas não atenderei." Pr 1,24-28
    Outra parte dessa hostilidade deve mesmo ser creditada ao Mistério do Mal, que termina sendo um dos recursos usados por Deus para promover a Salvação dos que amam a Verdade, e não se deixam seduzir pelo erro. São Paulo detectou-o: "Porque o mistério da iniquidade já está em ação, apenas esperando o afastamento daquele que o detém." 2 Ts 2,7
    Pois nem só infiéis foram punidos, como o livro da Sabedoria diz, narrando o feito de Aarão: "Verdade é que a prova da morte também feriu os justos, e numerosos foram os que ela abateu no deserto. Mas a ira de Deus não durou muito tempo, porque um irrepreensível homem se apressou a tomar sua defesa, servindo-se das armas de seu ministério pessoal, a oração e o sacrifício expiatório do incenso. Opôs-se à ira e pôs fim ao flagelo, mostrando que era Vosso servo. Dominou a revolta, não pela força física, nem pela força das armas, mas pela sua palavra deteve Aquele que castigava, relembrando-lhe os juramentos feitos aos antepassados e a Aliança estabelecida. Já os mortos, amontoavam-se uns sobre os outros, mas quando ele interveio, deteve a cólera e afastou-a dos vivos." Sb 18,20-23
    E assim é que os mais pobres sofrem, como observou o Eclesiastes: "Pus-me, então, a considerar todas opressões que se exercem debaixo do sol. Eis aqui as lágrimas dos oprimidos, e não há ninguém para consolá-los. Seus opressores fazem-lhes violência, e não há ninguém para consolá-los." Ecl 4,1
    De fato, Jó, personagem notório por sua paciência, já percebia-o: "A vida do homem sobre a terra é uma luta..." Jó 7,1
    E a resposta de Deus obtida pelo Profeta Habacuc, embora garantisse a vitória final, apenas pedia mais paciência: "'Até quando, Senhor, implorarei sem que escuteis? Até quando Vos clamarei: 'Violência!', sem que venhais em socorro? Por que me mostrais o espetáculo da iniquidade, e contemplais Vós mesmo essa desgraça? Só vejo opressão e violência diante de mim, nada mais que discórdias e contendas.' E o Senhor respondeu-me assim: 'Escreve esta visão, grava-a em tabuinhas, para que ela possa ser facilmente lida. Porque há ainda uma visão para um termo fixado, ela aproxima-se rapidamente de seu termo e não falhará. Mas, se tardar, espera-a, porque ela realizar-se-á com toda certeza, não falhará. Eis que sucumbe aquele que não tem a alma íntegra, mas o justo vive da fé.'" Hab 1,2-3;2,2-4
    Sem dúvida, e ainda sobre a imolação de primogênitos, é insofismável a violência que se verificou com a morte de São João Batista e de Jesus. Mesmo que tal sacrifício se tenha tornado sinal de maldição, quando Deus expressou que não queria a reconstrução de Jericó: "Então proferiu Josué este juramento: 'Maldito seja diante do Senhor quem tentar reconstruir esta cidade de Jericó! Será ao preço de seu primogênito que lhe lançará os primeiros fundamentos, e será à custa do último de seus filhos, que lhe porá as portas!'" Js 6,26
    Isso explica tamanha indignação entre os israelitas quando o rei de Moab, mesmo sendo inimigo de Judá e de Israel, sacrificou seu filho: "Tomando, então, seu filho primogênito, que deveria reinar depois dele, ofereceu-o em holocausto sobre a muralha." 2 Rs 3,27
    Ou mesmo para com Acaz, que, embora rei de Jerusalém, acabou fazendo o mesmo: "Chegou até a passar seu filho pelo fogo, segundo o abominável costume dos povos que o Senhor tinha expulsado de diante dos filhos de Israel." 2 Rs 16,3
    E ainda Manassés, igualmente rei de Jerusalém: "Fez passar pelo fogo seu próprio filho. Entregou-se à magia, à astrologia, à necromancia e à adivinhação. Multiplicou as ações que ofendem o Senhor, assim provocando Sua ira." 2 Rs 21,6
    É então que o Profeta Miqueias, antes propondo obediência a Deus, vai questionar esses sacrifícios: "Sacrificá-lhe-ei pela minha maldade meu primogênito, o fruto de minhas entranhas por meus próprios pecados?" Mq 6,7b
    Em razão disso, citando o Profeta Oseias e também referindo-Se ao sacrifício de animais, Jesus vai afirmar: "Ide e aprendei o que significam estas palavras: 'Eu quero a misericórdia e não o sacrifício (Os 6,6)." Mt 9,13a
    Não por acaso, Ele foi prometido através de Isaías como o Príncipe da Paz: "Porque todo calçado que se traz na batalha, e todo manto manchado de sangue serão lançados ao fogo e tornar-se-ão presa das chamas. Porque um Menino nos nasceu, um filho foi-nos dado. A soberania repousa sobre Seus ombros, e Ele chama-Se: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz. Seu império será grande e sem fim a Paz sobre o trono de Davi e em Seu Reino. Ele firmá-lo-á e mantê-lo-á pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre. Eis o que fará o zelo do Senhor dos Exércitos." Is 9,4-6


O CORDEIRO IMOLADO

    Mas ao contrário do desfecho do ritual em que Abraão imolaria Isaac, Jesus não foi poupado por Deus. Nosso Salvador mesmo afirmou: "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo que lhe deu Seu único Filho, para que todo aquele que n'Ele crer não pereça, mas tenha a Vida Eterna." Jo 3,16
    E toda Sua humilde vida estava prevista desde os tempos do Profeta Isaías, com precisão de minúcias: "... tão desfigurado estava na Cruz que havia perdido a humana aparência... Cresceu diante de Deus como um pobre rebento enraizado numa árida terra. Não tinha graça nem beleza para atrair nossos olhares, e Seu aspecto não podia seduzir-nos. Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos, como aqueles diante dos quais se cobre o rosto. Era amaldiçoado e d'Ele não fazíamos caso. Em verdade, Ele tomou sobre Si nossas enfermidades e carregou nossos sofrimentos: e nós reputávamo-Lo como um castigado, ferido e humilhado por Deus. Mas Ele foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades. O castigo que nos salva pesou sobre Ele, fomos curados graças às Suas chagas. Foi maltratado e resignou-Se, não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador. Por um iníquo julgamento foi arrebatado. Quem pensou em defender Sua causa, quando foi suprimido da terra dos vivos, morto pelo pecado de meu povo? Foi-Lhe dada sepultura ao lado de facínoras e ao morrer achava-se entre malfeitores, se bem que não haja cometido injustiça alguma, e em Sua boca nunca tenha havido mentira. Mas aprouve ao Senhor esmagá-Lo pelo sofrimento. Se Ele oferecer Sua vida em sacrifício expiatório, terá uma duradoura posteridade, prolongará Seus dias, e a vontade do Senhor por Ele será realizada. Após suportar em Sua Pessoa os tormentos, alegrar-se-á de conhecê-Lo até o enlevo. O Justo, Meu Servo, justificará muitos homens, e sobre Si tomará suas iniquidades. ... Ele próprio deu Sua vida, e deixou-Se colocar entre os criminosos, sobre Si tomando os pecados de muitos homens, e intercedendo pelos culpados." Is 52,14b;53,2-5.7-11.12b
    Afirmativamente, a principal imagem que temos de Jesus, embora não a única, é a de mansidão, como também previu Isaías e citou São Mateus: "Ele não disputará, não elevará Sua voz. Ninguém ouvirá Sua voz nas praças públicas. Não quebrará o caniço rachado, nem apagará a mecha que ainda fumega, até que faça triunfar a justiça. Em Seu Nome as pagãs nações porão sua esperança (Is 42,1-4)." Mt 12,19-21
    E Ele mesmo disse de Si: "Vinde a Mim todos vós que estais aflitos sob o fardo, e Eu aliviá-vos-ei. Tomai Meu jugo sobre vós e recebei Minha Doutrina, porque Eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para vossas almas. Porque Meu jugo é suave e Meu peso é leve." Mt 11,28-30

BOM COMBATE E SACRIFÍCIO

    Pelas mesmas razões, a vida que Jesus previu para os cristãos nunca pareceu um mar de rosas: "No mundo haveis de ter aflições." Jo 16,33
    E quanto maior a perseguição sofrida pelo cristão, segundo Ele, mais forte é o sinal do verdadeiro amor a Deus: "Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e falsamente disserem todo mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande vossa recompensa nos Céus, pois assim perseguiram os Profetas que vieram antes de vós." Mt 5,11-12
    Na verdade, já no início Suas Palavras não eram exatamente um convite à acomodação: "Desde então Jesus começou a pregar: 'Fazei penitência, pois o Reino dos Céus está próximo.'" Mt 4,17
    Segui-Lo, pois, é carregar uma cruz e abraçar o altruísmo: "Se alguém quer vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia sua cruz e siga-Me." Lc 9,23
    Ele mencionava terríveis catástrofes como inalienável realidade do pecado: "Neste mesmo tempo contavam alguns o que tinha acontecido a certos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com seus sacrifícios. Jesus toma a Palavra e pergunta-lhes: 'Pensais vós que estes galileus foram maiores pecadores que todos outros galileus, por terem sido tratados desse modo? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo. Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e matou-os, foram mais culpados que todos demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo.'" Lc 13,1-5
    Mas deixou claro que tudo está sob o comando de Deus: "Não se vendem cinco pardais por dois asses? E, entretanto, nem um só deles passa despercebido diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois. Mais valor tendes vós que numerosos pardais." Lc 12,6-7
    Ao falar da morte como medo maior, Jesus apontava o inferno com algo muito mais trágico: "Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Antes temei Aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena." Mt 10,28
    Tão trágico, aliás, que, tendo ele como destino, nenhuma vida que se possa levar nesse mundo vale a pena. Foi assim que Ele Se referiu a Judas, que apesar da indizível Graça de conhecer Jesus e estar por mais de três anos em Sua presença, cometeu o gravíssimo pecado de trai-Lo: "O Filho do Homem vai morrer, como d'Ele está escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor que jamais tivesse nascido!" Mt 26,24
    De fato, Jesus não fala exatamente de um bom destino para Seus opositores: "Quanto aos que Me odeiam, e que não Me quiseram por Rei, trazei-os e massacrai-os em Minha presença." Lc 19,27
    O final da Grande Batalha assim foi revelado a São João Evangelista: "Vi, então, um anjo de pé sobre o sol, a chamar em alta voz a todas aves que voam pelo meio dos céus: 'Vinde, reuni-vos para a grande ceia de Deus, para comerdes carnes de reis, carnes de generais e carnes de poderosos, carnes de cavalos e cavaleiros, carnes de homens, livres e escravos, pequenos e grandes. E todas aves fartaram-se de suas carnes.'" Ap 19,17-18.21b
    E na cena a seguir ele viu ser ceifado o 'joio' da terra: "O anjo lançou sua foice à terra e vindimou a vinha da terra, e atirou os cachos no grande lagar da ira de Deus. O lagar foi pisado fora da cidade, e do lagar saiu sangue que atingiu até o nível dos freios dos cavalos pelo espaço de mil e seiscentos estádios." Ap 14,19-20
    O próprio Jesus lançou mão de alguma truculência, por ocasião do vilipêndio da Casa do Pai: "Encontrou no Templo os negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de moedas. Fez Ele um chicote de cordas, expulsou todos do Templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos cambistas e derrubou as mesas. Disse aos que vendiam as pombas: 'Tirai isto daqui e não façais da Casa de Meu Pai uma casa de negociantes.' Lembraram-se, então, Seus discípulos do que está escrito: 'O zelo de Tua Casa me consome' (Sl 68,10)." Jo 2,14-17
    Segundo São Mateus, Suas Palavras teriam sido ainda mais contundentes: "... disse-lhes: 'Está escrito: Minha Casa é uma Casa de Oração (Is 56,7), mas vós fizestes dela um covil de ladrões (Jr 7,11)!'" Mt 21,13
    As cidades que viram Sua Onipotência, ademais, não tiveram gratuitamente tal privilégio: "Depois Jesus começou a censurar as cidades, onde tinha feito grande número de Seus milagres, por terem recusado arrepender-se: 'Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam-se arrependido sob o cilício e a cinza. Por isso, digo-vos: no Dia do Juízo, haverá menor rigor para Tiro e para Sidônia que para vós! E tu, Cafarnaum, serás elevada até o Céu? Não! Serás atirada até o inferno! Porque, se Sodoma tivesse visto os milagres que foram feitos dentro de teus muros, subsistiria até este dia. Por isso, digo-te: no Dia do Juízo, haverá menor rigor para Sodoma que para ti!'" Mt 11,20-24
    A própria Jerusalém não seria poupada: "Aproximando-se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém e chorou sobre ela, dizendo: 'Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses Aquele que te pode trazer a Paz!... Mas não... Isso está oculto a teus olhos. Virão sobre ti dias em que teus inimigos te cercarão de trincheiras, sitiá-te-ão e fustigá-te-ão por todos lados. Destruí-te-ão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada.'" Lc 19,41-44
    E falando aos religiosos judeus que não acolheram Sua Palavra, Ele foi direto ao apontar a fonte do mal que os submetia: "Vós tendes como pai o demônio, e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na Verdade, porque a Verdade não está nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira." Jo 8,44
    Da mesma forma, as últimas palavras que dirá aos condenados no Juízo Final não serão nem um pouco suaves: "Retirai-vos de Mim, malditos! Ide para o fogo eterno, destinado ao Demônio e a seus anjos." Mt 25,41
    Pois como vital referência em nossas vidas, rejeitá-Lo implica drásticas consequências. Ele advertiu aos anciãos, escribas e sacerdotes do Templo de Jerusalém: "Mas Jesus, fixando neles o olhar, disse-lhes: 'Que quer dizer então o que está escrito: A pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a pedra angular (Sl 117,22)? Todo aquele que cair sobre esta pedra ficará despedaçado. E sobre quem ela cair, este será esmagado!'" Lc 20,17-18
    Mesmo gente que crê anunciar Seu Nome sofrerá total desprezo: "Muitos Me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não pregamos nós em Vosso Nome? E não foi em Vosso Nome que expulsamos os demônios e fizemos muitos milagres?' E, no entanto, Eu di-lhes-ei: 'Nunca vos conheci. Retirai-vos de Mim, maus operários!'" Mt 7,22-23
    Enquanto Deus temível, pois, Ele exigirá tudo de nossos talentos: "Mau e preguiçoso servo! Sabias que colho onde não semeei e que recolho onde não espalhei. ... esse inútil servo, jogai-o nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes." Mt 25,26.30
    E o pecado, que muitos julgam um deleite, Ele compara à atrocidade da escravidão: "Em Verdade, em Verdade, digo-vos: todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo. Ora, o escravo não fica na casa para sempre, mas o filho sim, fica para sempre." Jo 34-35
    Tão séria e decisiva é vida aqui na terra, portanto, que todo projeto de Deus se revela uma verdadeira batalha, e a vitória só se fará perceber pela causa, como Jesus mesmo descreveu: "Não julgueis que vim trazer a Paz à terra. Vim trazer não a Paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a Mim, não é digno de Mim. Quem ama seu filho mais que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma sua cruz e não Me segue, não é digno de Mim. Aquele que tentar salvar sua vida, perdê-la-á. Aquele que a perder, por Minha causa, reencontrá-la-á." Mt 10,34-39
    Ora, o próprio cenário que Ele traçou para a humanidade através dos séculos não é muito animador, muito menos para Seus fiéis: "'Quando ouvirdes falar de guerras e de tumultos, não vos assusteis. Porque primeiro é necessário que isso aconteça, mas não virá logo o fim.' Disse-lhes também: 'Levantar-se-ão nação contra nação e reino contra reino. Haverá grandes terremotos por várias partes, fomes e pestes, e aparecerão espantosos fenômenos no céu. Antes de tudo isso, porém, lançá-vos-ão as mãos e persegui-vos-ão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença dos reis e dos governadores por causa de Mim. Isto acontecê-vos-á para que vos sirva de testemunho. Sereis entregues até por vossos pais, vossos irmãos, vossos parentes e vossos amigos, e matarão muitos de vós. Por causa do Meu Nome sereis odiados por todos. Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definharão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda terra. As próprias forças dos céus serão abaladas.'" Lc 21,9-13.16-17.25-26
    Por isso, em Seus últimos dias Nosso Salvador preparou a Igreja para anos realmente difíceis: "Depois ajuntou: 'Quando vos mandei sem bolsa, sem mochila e sem calçado, faltou-vos porventura alguma coisa?' Eles responderam: 'Nada.' 'Mas agora', disse-lhes Ele, 'aquele que tem uma bolsa, tome-a. Aquele que tem uma mochila, igualmente tome-a. E aquele que não tiver uma espada, venda sua capa para comprar uma.'" Lc 22,35-36
    Ora, tamanho é o combate entre o Sumo Bem e o Mal que a própria instauração do Reino dos Céus se ressentia dessa agressividade. Jesus enfrentava uma guerra espiritual, pois diz: "Desde a época de João Batista até o presente, o Reino dos Céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam." Mt 11,12
    E assim foi até Sua Vitória, até Sua chegada aos Céus. E na batalha que lhes custa a vida, vencem os Santos, conforme a visão que teve São João Evangelista: "Houve uma batalha no Céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, mas não prevaleceram. E já não houve lugar para eles no Céu. Foi, então, precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Com ele foi precipitado à terra seus anjos. Eu ouvi no Céu uma voz forte que dizia: 'Agora chegou a Salvação, o poder e a realeza de Nosso Deus, assim como a autoridade de Seu Cristo, porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que dia e noite os acusava diante do Nosso Deus. Mas estes venceram-no por causa do Sangue do Cordeiro e de Seu eloquente testemunho. Desprezaram a vida até aceitar a morte.'" Ap 12,7-11
    Contudo, se desde a Ascensão do Senhor temos os auxílios do Espírito Santo, por outro lado agravou-se o combate aqui na terra. Nessa mesma visão, disse uma forte voz que gritava: "Por isso, alegrai-vos, ó Céus, e todos que aí habitais. Mas, ó terra e mar, cuidado! Porque o Demônio desceu para vós, cheio de grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta." Ap 12,12
    O inimigo combateu até Nossa Senhora, que se refugiou em Betânia e Éfeso, enquanto foi protegida por Deus: "O Dragão, vendo que fora precipitado na terra, perseguiu a Mulher que dera à luz o Menino. Mas à Mulher foram dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto, para o lugar de seu retiro, onde é alimentada por um tempo, dois tempos e a metade de um tempo, fora do alcance da cabeça da Serpente." Ap 12,13-14
    Mas tal vitória da Mãe Celeste é apenas a mais antiga jura de violência feita pelo próprio Deus a Satanás, desde os tempos do Paraíso: "Porei ódio entre ti e a mulher, entre tua descendência e a dela. Esta feri-te-á a cabeça, e tu feri-lhe-ás o calcanhar." Gn 3,15
    Agora, porém, o inimigo ferozmente ataca os filhos da Santíssima Virgem, ou seja, a Igreja: "Este, então, irritou-se contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de seus filhos, aos que guardam os Mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus." Ap 12,17
    E nem mesmo com as intercessões dos Santos findarão as tribulações para a Igreja. Mais uma vez, a Palavra é de paciência: "Quando abriu o quinto selo, debaixo do altar vi as almas dos homens imolados por causa da Palavra de Deus e por causa do testemunho de que eram depositários. E clamavam em alta voz, dizendo: 'Até quando Tu, que és o Senhor, o Santo, o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar nosso sangue contra os habitantes da terra?' Então foi dada a cada um deles uma branca veste, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco, até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que estavam com eles para ser mortos." Ap 6,9-11
    Porque as pretensões de Satanás não se encerram em combater apenas o povo de Deus, e o período de batalhas previsto na Bíblia vai até os últimos dias: "Vi sair da boca do Dragão, da boca da Fera e da boca do falso profeta três imundos espíritos semelhantes a rãs; são os espíritos de demônios que realizam prodígios e vão ter com os reis de toda terra, a fim de reuni-los para a batalha do Grande Dia do Deus Dominador. Combaterão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro vencê-los-á, porque é Senhor dos senhores e Rei dos reis. Aqueles que estão com Ele são os chamados, os escolhidos, os fiéis. Eu vi a Fera e os reis da terra com seus Exércitos reunidos para fazer guerra ao Cavaleiro Jesus e a Seu Exército." Ap 16,13-14;17,14;19,19
    Por isso, quando velho e pressentindo seu próprio sacrifício, São Paulo referiu-se assim à sua vida: "Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a ." 2 Tm 4,7
    E seus seguidores exortam: "Corramos com perseverança ao proposto combate, com o olhar fixo no Autor e Consumador de nossa fé, Jesus." Hb 12,1b
    Ciente das maquinações do inimigo, o Último Apóstolo preparou-nos para uma guerra contra poderosos anjos decaídos: "Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra principados e potestades, contra os príncipes deste tenebroso mundo, contra as forças espirituais do mal espalhadas nos ares. Tomai, portanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos maus dias e manter-vos inabaláveis no cumprimento de vosso dever. Ficai alerta, à cintura cingidos com a Verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da Paz. Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos inflamados dardos do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da Salvação e a espada do Espírito, isto é, a Palavra de Deus. Intensificai vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no Qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos cristãos." Ef 6,11-18
    Ele expressamente diz que estas forças estão no "... modo de viver deste mundo, do príncipe das potestades do ar, do espírito que agora atua nos rebeldes." Ef 2,1b
    São Pedro, por sua vez, avisa de cósmicas convulsões, e pede que não desprezemos a paciência de Deus: "O Senhor não retarda o cumprimento de Sua promessa, como alguns pensam, mas usa da paciência para convosco. Não quer que alguém pereça. Ao contrário, quer que todos se arrependam. Entretanto, o Dia do Senhor virá como ladrão. Naquele Dia, os céus passarão com ruído, os elementos abrasados dissolver-se-ão, e será consumida a terra com todas obras que ela contém. Uma vez que todas estas coisas hão de desagregar-se, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade, enquanto esperais e apressais o Dia de Deus, esse Dia em que hão de dissolver-se os céus inflamados e hão de fundir-se os abrasados elementos! Nós, porém, segundo Sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça." 2 Pd 3,9-13
    Ele alerta: "Porque vem o momento em que se começará o Julgamento pela Casa de Deus. Ora, se Ele começa por nós, qual será a sorte daqueles que são infiéis ao Evangelho de Deus? E se o justo salva-se com dificuldade, que será do ímpio e do pecador?" 1 Pd 4,17-18
    De fato, acaso não é a história das cidades da luxúria um claro exemplo da pesada mão de Deus? "O Senhor fez, então, cair sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo, vinda do Senhor, do Céu. E destruiu essas cidades e toda planície, assim como todos habitantes das cidades e a vegetação do solo." Gn 19,24-25
    No entanto, Deus teria poupado Sodoma se lá houvesse apenas dez homens justos: "Abraão replicou: 'Que o Senhor não Se irrite se falo ainda uma última vez! Que será, se lá forem achados dez?' E Deus respondeu: 'Não a destruirei por causa desses dez.'" Gn 18,32

 
    Assim como os Céus, todavia, a Igreja não está indefesa. E guardada por anjos, ela mesma pode vigorosamente responder a ataques, em aparência, inofensivos: "Pedro, porém, disse: 'Ananias, por que tomou conta Satanás de teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor do campo? Acaso não podias conservá-lo sem o vender? E depois de vendido, não podias livremente dispor dessa quantia? Por que imaginaste isso em teu coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus.' Ao ouvir estas palavras, Ananias caiu morto. Apoderou-se grande terror de todos que o ouviram." At 5,3-5
    Mas nem todo combate é da vontade de Deus, como Jesus disse a São Pedro, ao ser preso no monte das Oliveiras: "Crês tu que não posso invocar Meu Pai e Ele não Me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos?" Mt 26,53
    São Paulo prega: "Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos homens. Se for possível, quanto depender de vós, vivei em Paz com todos homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus.'" Rm 12,17-19a
    Assim também São Tiago Menor: "Já sabei-lo, meus diletíssimos irmãos: todo homem deve ser pronto para ouvir, porém tardo para falar e tardo para irar-se, porque a ira do homem não cumpre a justiça de Deus." Tg 1,19-20
    Sobre isso, Jesus já havia advertido São João Evangelista e São Tiago Maior: "Enviou diante de Si mensageiros que, tendo partido, entraram em uma povoação dos samaritanos para arranjar-Lhe pousada. Mas não O receberam, por Ele dar mostras de que ia para Jerusalém. Vendo isto, Tiago e João disseram: 'Senhor, queres que mandemos que desça fogo do Céu e consuma-os?' Jesus voltou-Se e severamente repreendeu-os: 'Não sabeis de que espírito sois animados. O Filho do Homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las.' Foram, então, para outra povoação." Lc 52-56
    E se a Igreja tem que enfrentar tanta barbárie e tantas injustiças, não se deve esquecer que ela tem dono, nem de confiar em Suas promessas. Disse Jesus ao Príncipe dos Apóstolos: "E Eu declaro-te: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei Minha Igreja. As portas do inferno não prevalecerão contra ela." Mt 16,18
    Ora, Deus Pai também já havia prometido Sua proteção, que nada tem de brandura: "Eis uma coisa que está guardada Comigo, consignada em Meus segredos: a Mim Me pertencem a vingança e as represálias..." Dt 32,34-35a
    Assim, um simples processo de conversão pode significar terríveis agruras, como quando Jesus apareceu a São Paulo, cegando-o: "Durante a viagem, estando já perto de Damasco, subitamente cercou-o uma resplandecente Luz vinda do Céu. Os homens que o acompanhavam encheram-se de espanto, pois ouviam perfeitamente a voz, mas não viam ninguém. Saulo levantou-se do chão. Abrindo, porém, os olhos, não via nada." At 9,3.7-8a
    Da mesma forma, os sinais realizados pelos Santos têm poderes que vão muito além dos práticos efeitos. Foi o que aconteceu logo após o Pentecostes: "E todos estavam cheios de temor, por causa dos numerosos prodígios e sinais que os Apóstolos realizavam." At 2,43
    E Jesus não lhes assegurou apenas acesso à Palavra, mas reais poderes que já vigoram sobre este mundo: "Então, ao vencedor, àquele que praticar Minhas obras até o fim, dá-lhe-ei poder sobre as pagãs nações." Ap 2,26
    Com efeito, ainda entre nós Ele havia dito aos 72 enviados: "Eis que vos dei poder para pisar serpentes, escorpiões e todo poder do inimigo." Lc 10,19
    E assim referiu-Se ao Pentecostes: "Eu mandá-vos-ei o Prometido de Meu Pai. Entretanto, permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto." Lc 24,49
    Por isso, ao falar da autoridade da Igreja, São Paulo não parece muito diplomático: "Não são carnais as armas com que lutamos. São poderosas, em Deus, capazes de arrasar fortificações. Nós aniquilamos todo raciocínio e todo orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus, e cativamos todo pensamento e reduzimo-lo à obediência a Cristo. Também estamos prontos para castigar todos desobedientes, a fim de que vossa obediência seja perfeita." 2 Cor 10,4-6
    Em primeiro instante, porém, São Pedro recomenda absoluta mansidão para com todos: "Sede educados para com todos, amai os irmãos, temei a Deus, respeitai o rei." 1 Pd 2,17
    São Paulo pede em especial pelos não cristãos: "Procedei com Sabedoria no trato com os de fora. Sabei aproveitar todas circunstâncias. Que vossas conversas sejam sempre amáveis, temperadas com sal, e a cada um sabei responder devidamente." Cl 4,5-6
    Arguto teólogo, ele via o temor a Deus, a Quem não devemos tentar, como essencial para o processo da santificação: "Depositários de tais promessas, caríssimos, purifiquemo-nos de toda imundície da carne e do espírito, realizando plenamente nossa santificação no temor a Deus." 2 Cor 7,1
    E é, de fato, por essa tomada de conhecimento da verdadeira realidade que a Igreja se firmou: "A Igreja então gozava de Paz por toda Judeia, Galileia e Samaria. Estabelecia-se caminhando no temor ao Senhor, e a assistência do Espírito Santo fazia-a crescer em número." At 9,31
    Os seguidores da tradição de São Paulo, por exemplo, ao defender a Santa Missa, vão justificar-se usando uma passagem do Deuteronômio: "Sim, possuindo nós um inabalável reino, dediquemos a Deus um reconhecimento que Lhe torne agradável nosso culto com temor e respeito. Porque 'Nosso Deus é um fogo devorador' (Dt 4,24)." Hb 12,28
    O livro da Sabedoria, contudo, em geral vê absoluta moderação na força usada por Deus: "Mostrais Vossa força aos que não creem em Vosso poder, e confundis os que não a conhecem e ousam afrontá-la. Mas, dominando Vossa força, julgais com bondade e governai-nos com grande indulgência, porque sempre Vos é possível empregar Vosso poder, quando quiserdes. Agindo desta maneira, mostrastes a Vosso povo que o justo deve ser cheio de bondade, e inspirastes a Vossos filhos a boa esperança de que, após o pecado, dá-lhe-eis tempo para a penitência. Porque se os inimigos de Vossos filhos, dignos de morte, Vós havei-lo castigado com tanta prudência e longanimidade, dando-lhes tempo e ocasião para emendarem-se, com quanto cuidado não julgareis Vós Vossos filhos, a cujos antepassados concedestes com juramento Vossa Aliança, repleta de ricas promessas?" Sb 12,17-21
    O Eclesiástico, por sua vez, vê a violência no próprio pecado, e o temor ao Senhor como sinal de prudência: "O temor ao Senhor expulsa o pecado! Mas aquele que não tem esse temor não poderá tornar-se justo. A violência de sua paixão causará sua ruína." Eclo 1,27-28
    Segundo os Provérbios, é ele que nos traz a verdadeira inspiração: "O princípio da Sabedoria é o temor ao Senhor!" Pr 9,10
    Mas, ao mesmo tempo, é nossa mais preciosa joia, por conduzir-nos até à Paz e à Salvação: "O temor ao Senhor é a coroa da Sabedoria: dá uma plenitude de Paz e de frutos de Salvação." Eclo 1,22
    O Eclesiastes também fala dele como plena realização humana: "Eu sei, no entanto, que a felicidade é para os que temem a Deus, que Sua presença enche de respeito, e que não haverá nenhuma felicidade para o ímpio, o qual, como a sombra, não prolongará sua vida, porque não tem temor a Deus." Ecl 8,12b-13
    Na terra, pois, aos Seus Jesus garante consolação espiritual: "E Eu rogarei ao Pai, e Ele dá-vos-á outro Consolador, para que convosco fique eternamente. É o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece. Mas vós conhecê-Lo-eis, porque convosco permanecerá e em vós estará." Jo 14,16-17
    Consolação essa que é dada por Sua indizível Paz: "Deixo-vos a Paz, dou-vos Minha Paz. Não vos dou como o mundo a dá. Não se perturbe vosso coração, nem se atemorize!" Jo 14,27
    Nos Céus, por fim, os filhos de Deus viverão a absoluta harmonia, pois Ele mesmo "Enxugará toda lágrima de seus olhos, e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição." Ap 21,4
    E poderão usufruir, então, de uma inimaginável serenidade: "Farei para eles, naquele dia, uma aliança com os animais selvagens, as aves do céu e os répteis da terra. Farei desaparecer da terra o arco, a espada e a guerra, e fá-los-ei repousar com segurança." Os 2,20
    Isaías viu o Reino de Cristo Rei, e descreveu: "'Então o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera deitar-se-á ao pé do cabrito, o touro e o leão comerão juntos, e um menino pequeno conduzi-los-á. A vaca e o urso fraternizar-se-ão, suas crias repousarão juntas, e o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará junto à toca da víbora, e o menino desmamado meterá a mão na caverna da áspide. Não se fará mal nem dano em todo Meu Santo Monte!' Porque a terra estará cheia da ciência do Senhor, assim como as águas recobrem o fundo do mar. Naquele tempo, o Rebento de Jessé, posto como estandarte para os povos, será procurado pelas nações e gloriosa será Sua morada." Is 11,6-10

    "Caminhamos na estrada de Jesus!"