domingo, 20 de agosto de 2023

São Bernardo


    Este monge beneditino começou a servir a Deus aos 22 anos, quando se candidatou à vida religiosa. Detalhe: consigo trouxe 30 postulantes à Abadia de Cister, na França. Eram irmãos, parentes e amigos seus. Apenas três anos mais tarde, em 1115, foi enviado por seu abade, Santo Estevão Harding, ao vale de Langres, à frente de 12 monges com a finalidade de construir uma nova abadia cisterciense, pois a primeira havia-se tornado pequena demais. Eles chamaram a nova casa de 'Claro Vale', e daí veio o sobrenome que lhe deram: Claraval.
    Eleito abade deste monastério, assumiu-o com tanta devoção que inicialmente pareceu muito rigoroso aos seus pares. Mas era apenas sua santidade que começava a tornar-se ainda mais evidente. Tão cativante era a vida de São Bernardo de Claraval que logo seu próprio pai e irmãos, que eram muito ricos, escolheriam viver com ele na abadia. Sua irmã também recolheu-se num mosteiro feminino.
    Nosso Santo precedia em quase cem anos a arrebatadora vocação para a pobreza evangélica, que iluminaria o mundo nas exemplares vidas de São Domingos, São Francisco e São Pedro Nolasco. As mulheres das vizinhas cidades e vilas temiam que seus maridos e filhos também o seguissem: ele parecia encantar as pessoas.


    E passados apenas mais três anos, em 1118 precisou construir novas abadias, pois outra vez já não havia lugar para todos. É quando Santo Estevão Harding convoca o Capítulo Geral Cisterciense e redige sua Ordem, que o Papa Calisto II em breve aprovaria.
    Notável também por seus escritos, São Bernardo consegue com uma obra, 'Apologia', pôr fim aos desentendimentos entre sua ordem, os beneditinos de hábito branco, ou cistercienses, em referência à cidade onde tinham uma abadia, e os beneditinos de hábito negro, ou clunisienses, da cidade de Cluny. Igualmente escreveu muitas cartas, que foram de suma importância para reformar a vida de bispos de toda a Igreja.
    Em 1128, foi convidado pelo Papa Honório II para ser o secretário do Concílio de Troyes. Aí ele é fortemente criticado pelo clero por sua opinião em assuntos que fugiam à sua competência, mas, por sua sincera humildade e profunda Comunhão com a vontade de Deus, terminou tendo todas suas propostas acatadas.
    Conseguiu, nessa ocasião, fundar a Ordem do Templo, ou os famosos Templários, cavaleiros militares que protegiam os peregrinos em viagem à Terra Santa, pois era o início de quase 200 anos de Cruzadas. Sua intenção era garantir as peregrinações, uma tradição quase obrigatória entre os europeus àquela época. A Regra do Templários foi toda redigida por ele.
    Por fim, também conseguiu a independência dos cistercienses em relação à Abadia de Cluny, em 1132, pois realmente abraçavam um distinto carisma.


    Defendeu a Igreja da ganância de alguns príncipes da Europa, cujas riquezas se mediam em terras, e mesmo assim conseguia fazer-se ouvido por eles. Pôs fim ao cisma levantado por Anacleto II, um antipapa que não aceitava o papado de Inocêncio II, sucessor de Honório II. E por sua extrema habilidade de moderador, que era forte característica dos papas destes séculos, trouxe de volta todos que, por causa dessa controvérsia, puseram-se em oposição à Igreja. Com seu apoio, Inocêncio II definitivamente instituiu o celibato a todo Clero, e com rigor condenou a usura.
    Em 1145, não por acaso, saiu de Claraval o monge que se tornaria o Papa Inocêncio III. Neste ano, o reino de Jerusalém sofreu outro grande ataque dos muçulmanos, e o Papa pediu a São Bernardo que convocasse a Segunda Cruzada, para a qual ele obteve a adesão do rei da França, Luis VII, e do imperador do Sacro Império Germânico, Conrado III. A reconquista da Terra Santa pelas Cruzadas, entretanto, desde então revelou-se uma impossível missão. São Bernardo sofreu pesadas acusações por seu empenho nessa tarefa, mas resignadamente assumiu toda culpa do fracasso.


    Combateu várias heresias que nasciam dentro da Igreja, a maioria delas através de bispos. Apoiado por muitos religiosos que se assombravam com os novos relatos que vinham de Jerusalém, voltou a defender outra Cruzada em encontros com os condes da Bélgica, mas não obteve sucesso. A Terceira delas só iria acontecer mais de 40 anos depois de sua morte.
    Afirmativamente, era manifesta vontade de toda cristandade de então preservar relíquias e santos lugares, mantendo-os devidamente respeitados e livres para o acesso de peregrinos. Muitos leigos engajados, boa parte deles jovens revoltados com a 'passividade' da Igreja, faziam aos clérigos e superiores duras críticas, e é majoritariamente deste segmento social, associados a mercadores e comerciantes da nascente burguesia, precursores do vultoso desenvolvimento econômico e social da Europa, que surgirão as próximas tentativas de libertação da Terra Santa.
    Escreveu várias obras de grande importância, além de centenas de cartas e sermões. Tomou parte em todas doutrinárias e religiosas questões de seu tempo. De forte devoção à Nossa Senhora, é dele a frase na Salve Rainha: "Ó clemente, ó piedosa, ó doce e sempre Virgem Maria."
    Um de seus mais significativos milagres ocorreu pelo hábito que tinha de reverentemente dizer "Ave Maria" sempre que passava diante da imagem da Santíssima Virgem. Certa vez, ao fazer essa habitual saudação num mosteiro, a Mãe de Deus respondeu-lhe: "Ave Bernardo."


    De suas luminosas reflexões, ele registrou:

    "A causa para amar a Deus é o próprio Deus; a medida, amá-Lo sem medida."
    "Devemos amar a Deus por Si mesmo, por causa de uma dupla razão: nada é mais razoável, nada mais lucrativo."
    "Amar a Deus é ter caridade; procurar ser amado por Deus é servir à caridade."
    "Ser deificado é tornar-se caridade, porque Deus é caridade; por isso, todos esforços da alma devem ter como alvo a caridade. A caridade dá a visão de Deus e a semelhança a Deus."
    "Há quatro graus de amor: 1) Amor a si mesmo por amor próprio. 2) Amor a Deus por amor a si mesmo. 3) Amor a Deus por amor a Deus. 4) Amor a si mesmo por amor a Deus."
    "O que nós amamos, nós cresceremos a assemelhar-nos."
    "O amor não busca nenhuma causa além de si mesmo, e nenhum fruto. Ele é seu próprio fruto, seu próprio prazer. Eu amo porque amo. Eu amo para poder amar."
    "Encontramos descanso naqueles que amamos, e proporcionamos um lugar de descanso em nós mesmos para aqueles que nos amam."
    "Da Cruz e das chagas de Nosso Redentor sai um grito, para fazer-nos entender o amor que Ele nos tem."
    "Deus é Sabedoria, e quer ser amado não só suave mas também sapientemente… Aliás, com muita facilidade o espírito de erro escarnecerá de teu zelo, se desprezares a ciência. Nem o astuto inimigo tem mais eficaz instrumento para arrancar do coração o amor que conseguir que, no mesmo amor, incautamente ande-se, e não com a razão."
    "Quem somos nós, e qual nossa força para resistirmos a tantas tentações? Certamente, era isso que Deus queria: que nós, vendo nossa insuficiência e falta de auxílio, recorrêssemos com toda humildade à Sua Misericórdia."
    "Poderíamos definir a humildade assim: é uma virtude que estimula o homem a menosprezar-se diante da clara verdade de seu próprio conhecimento."
    "As três mais importantes virtudes são humildade, humildade e humildade."
    "É uma falta, não uma virtude, desejar que tua humildade seja reconhecida e aplaudida."
    "Muitos daqueles que são humilhados não são humildes. Alguns reagem à humilhação com raiva, outros com paciência e outros com liberdade. Os primeiros são culpados, os segundos, inofensivos, os últimos, justos."
    "Quando Deus perdoa um pecador que humildemente confessa seu pecado, o diabo perde seu domínio sobre o coração que ele tomou."
    "Os rios da Graça não podem fluir montanha acima, subindo a íngreme escarpa do coração do homem orgulhoso."
    "Muitos parecem cheios de suavidade e doçura enquanto tudo segue seu próprio caminho, mas no momento em que surge qualquer contradição ou adversidade, eles põem-se em chama e começam a enfurecer-se como um ardente vulcão. Pessoas como estas são como incandescentes brasas, escondidas sob as cinzas. Esta não é a brandura que Nosso Senhor Se comprometeu a ensinar-nos, a fim de tornar-nos semelhantes a Si mesmo."

    "'Senhor, que queres que eu faça?' (pergunta Paulo). É esta, certamente, a forma de uma perfeita conversão. Quão poucos se ajustam a esta forma de perfeita obediência, e de tal modo tenham abdicado da própria vontade que nem sequer mais tenham seu próprio coração, e a toda hora se perguntem, não o que eles querem, mas o que o Senhor quer!"
    "A oração controla nossos afetos e dirige nossas ações para Deus."
    "São fortes as potências do inferno, entretanto, a oração é mais forte que todos demônios."
    "A oração é uma virtude que prevalece contra todas tentações."
    "Com a oração, a alma consegue o divino auxílio, diante do qual desaparece todo poder das criaturas."
    "Faze com que tua oração por bênçãos temporais seja estritamente limitada às coisas absolutamente necessárias."
    "Deus dá-nos-á ou o que pedimos, ou o que Ele sabe que é melhor para nós."

    "Todo nosso mérito consiste em confiarmos plenamente em Deus."
    "Para chegarmos à perfeição, temos necessidade da meditação e da petição; pela meditação vemos o que nos falta; pela súplica recebemos o que nos é necessário."
    "Fica sabendo, ó cristão, que mais se merece em devotamente participar de uma só Missa que com distribuir todas riquezas aos pobres e peregrinar por toda terra."
    "A Eucaristia é o amor que supera todos outros amores no Céu e na terra."
    "A Comunhão reprime nossas paixões: principalmente, ira e sensualidade. Quando Jesus está corporalmente presente em nós, ao redor de nós montam guarda de amor os anjos."
    "Indubitavelmente existe uma espantosa analogia entre o azeite e o Nome do Amado, pelo que a comparação apresentada pelo Espirito Santo não é arbitrária. A não ser que possais sugerir algo de melhor, afirmarei que o Nome de Jesus possui semelhança ao azeite na tripla utilidade deste último, nomeadamente, para iluminar, na alimentação e como lenitivo. Mantém a chama, alimenta o corpo, alivia a dor. É Luz, Alimento e Medicina. Observai como as mesmas propriedades podem ser encontradas no Nome do Divino Noivo. Quando pronunciado, fornece Luz; quando meditado, alimenta; quando invocado, serena e abranda."
    "Não há mais suave música, mais jubilosa palavra, mais doce pensamento que Jesus, Filho de Deus!"
    "Para mim, Jesus é mel na boca, música no ouvido, uma canção no coração."
    "Ele conquistou-me inteiramente, entregando-Se inteiramente a mim."
    "Jesus, Tu, alegria de apaixonados corações, Tu, fonte de Vida, Tu, Luz de homens, da melhor felicidade que a terra nos dá, nós voltamo-nos vazios a Ti novamente. Nós provamo-Te, ó Pão Vivo, e ainda tardamos a fartar-nos de Ti. Nós bebemos de Ti, ó Manancial, e com sede seguem nossas almas a saciarem-se de Ti. Ó Jesus, sempre conosco fique; torne todos nossos momentos calmos e brilhantes; Persiga a noite escura do pecado; Derrame sobre o mundo Tua Santa Luz."
    "Aprende a lição que, se tu fores fazer o trabalho de um Profeta, o que tu precisas não é um cetro, mas uma enxada."
    "Se, então, tu fores sábio, tu mostrar-te-ás mais como um reservatório que como um canal. Pois um canal espalha adiante a água à medida que a recebe, mas um reservatório espera até ser preenchido antes de transbordar, e assim comunica, sem perda para si mesmo, sua superabundante água. Na Igreja, nos dias de hoje, temos muitos canais, poucos reservatórios."
    "A vida espiritual é como a Água Viva que brota das profundezas de nossa própria experiência espiritual. Na vida espiritual, todos têm que beber de seu próprio poço."
    "Ação e contemplação são muito próximas companheiras; elas vivem juntos numa casa em igualdade de condições. Marta e Maria são irmãs."
    "Se tu desejas ver, ouça. A audição é um passo em direção à visão."
    "Espera muito de Deus, e Ele fará muito por ti."
    "A morte é o portão da Vida."
    "A ingratidão é a inimiga da alma ... A ingratidão é um ardente vento que seca a fonte do amor, o orvalho da Misericórdia, as correntes da Graça."

    "Porque éramos indignos de receber qualquer coisa, foi-nos dada Maria para, por meio d’Ela, obtermos tudo de que necessitamos."
    "Quereis um advogado junto a Jesus? Recorrei a Maria, pois nela não há senão pura compaixão pelos alheios males. Pura não só porque ela é Imaculada, mas porque nela só existe pura e simples compaixão. Digo-o sem hesitar: Maria será ouvida pela consideração que lhe é devida."
    "Não imaginemos que obscurecemos a Glória do Filho pelo grande louvor que oferecemos à Mãe; porque quanto mais ela é honrada, maior é a Glória de seu Filho. Não pode haver dúvida de que tudo que dissermos em louvor à Mãe, dá igual louvor ao Filho."
    "Ó Maria Santíssima, quem te ama honra a Deus; quem te serve agrada a Deus; quem quer que invoque teu santo nome com um puro coração, infalivelmente receberá o objeto de sua petição."
    "Deus quis que nada recebêssemos que não passe pelas mãos de Maria."
    "Deus depositou em Maria a plenitude de todo bem."
    "Deus reuniu todas águas e chamou-as mar, reuniu todas Graças e chamou-as Maria."
    "A lança que abriu o lado de Jesus, transpassou a alma da Virgem, que não podia separar-se do Filho."
    "Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações interpõe-se em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria."
    "Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Que seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro de sua intercessão, não negligencies os exemplos de sua vida. Seguindo-a, não te transviarás; rezando a ela, não desesperarás; nela pensando, evitarás todo erro. Se ela te sustenta, não cairás; se ela te protege, nada terás a temer; se ela te conduz, não te cansarás; se ela te é favorável, alcançarás o objetivo."
    "Quem recorreu à vossa proteção e por vós foi desamparado, ó Maria?"
    "Os infernos tremem de medo ao ouvir o nome de Maria."
    "O herege é ovelha na lã, raposa nas entranhas e lobo nas obras."
    "O deles é um caminho sem fim, um labirinto sem esperança, que busca bens antes de procurar por Deus."

    Ao morrer, em 1153, São Bernardo já havia fundado 72 mosteiros, que contavam aproximadamente com 700 monges.
    É Doutor da Igreja, e suas relíquias, como uma vértebra, são veneradas no sacro museu da Igreja de Sant'Ana de Dijon, na região da Borgonha, centro-leste da França.


    São Bernardo, rogai por nós!