domingo, 13 de agosto de 2023

Santa Dulce dos Pobres


    Aos 13 anos, Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes foi com uma tia materna visitar os pobres atendidos num convento de freiras. Nesse dia, ela decidiu-se: "Quero ser freira e dedicar minha vida aos pobres." Assim começava a vida espiritual do 'Anjo Bom da Bahia'.
    Logo quis entrar no Convento de Santa Clara dos Desterros, mas foi recusada por ser muito jovem. Esse fato, porém, não a impediu de começar a ajudar os mais carentes, pois com a permissão dos familiares começou a fazer de sua casa um ponto de apoio para mendigos, doentes e necessitados.
    Em 1933, aos 18 anos, formou-se professora do primário, mas preferiu entrar para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, Sergipe. Um ano e meio depois já fazia sua profissão de votos e adotava o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe, que havia perdido aos 6 anos de idade. Tinha pequeno corpo e de frágil aparência, porém sua obra iria mostrar do que é capaz uma alma tomada pela e pelo amor ao próximo.


    Foi enviada à cidade de São Salvador para dar aulas num colégio da congregação, mas aproveitava todo tempo restante para visitar e ajudar as mais pobres comunidades, como as de Alagados e Itapagipe. Em pouco mais de dois anos, em 1937, aos 24 anos, trabalhando com frei Hildebrando Kruthaup, um franciscano, já haviam fundado a União Operária São Francisco, primeiro movimento cristão operário da Bahia, e o Círculo Operário da Bahia, uma escola de ofícios, ambos mantidos por 3 cinemas populares que ela e o frade construíram com doações. O objetivo era criar mais cooperativas operárias, que promovessem social e culturalmente os trabalhadores e defendessem seus direitos.


    Em 1939, abriu o Colégio Santo Antonio para os operários e seus filhos. Destemida, invadiu 5 casas abandonadas na Ilha dos Ratos, para que servissem de abrigo para os enfermos que recolhia das ruas. Ao ser expulsa, improvisou vários lugares por mais de 10 anos até ter que abrigá-los, por falta de opção, no galinheiro do Colégio Santo Antonio, e por isso foi muito criticada. Não seria um lugar digno. Mas ela estava quase só numa luta aparentemente inglória em defesa dos abandonados: contava apenas com a ajuda da própria comunidade de pobres onde morava.
    Contudo, não desistia: ia aonde podia pedir alimentos, remédios, assistência médica de colaboradores e ajuda financeira. Na maioria das vezes, só era atendida por pequenos comerciantes e amigos, que se comoviam com seus esforços. O galinheiro hoje é o Hospital Santo Antonio, com 11 núcleos de especialidades médicas e capacidade para 700 pacientes e 200 casos ambulatoriais. Atende gratuitamente mais de 1 milhão de pessoas por ano. Desde o início, ela dizia: "Quando nenhum hospital quiser aceitar algum paciente, nós aceitaremos. Essa é a última porta, e por isso eu não posso fechá-la."
    Também fundou um orfanato numa pequena cidade, muito carente, vizinha a Salvador, em 1964: o Centro Educacional Santo Antonio, nome recorrente de suas obras sociais. Era o Santo a quem ela tanto rezava enquanto adolescente, pedindo que lhe mostrasse se deveria casar ou ser freira. Esse Centro hoje funciona como escola para 300 alunos, de 3 aos 17 anos, e ministra cursos profissionalizantes.
    Em 1980, em visita ao Brasil, o Papa São João Paulo II fez questão de recebê-la e elogiou seu tocante trabalho pelos pobres.
    Em 1984, aos 70 anos, ela vai fundar a Associação Filhas de Maria Servas dos Pobres, também de cunho beneficente.
    Em 1988, sua indicação foi aceita para o prêmio Nobel da Paz.


    Em 1991, recebeu uma especial deferência do Papa São João Paulo II, que em segunda visita ao Brasil fez questão de visitá-la no hospital, pois já estava bastante enferma e fragilizada.
    Ela ensinou:

    "O importante é fazer caridade, não falar de caridade; compreender o trabalho em favor dos necessitados como missão escolhida por Deus."
    "Procuremos viver em união, em espírito de caridade, perdoando uns aos outros nossas pequenas faltas e defeitos. É necessário saber desculpar para viver em Paz e união."
    "Se Deus viesse à nossa porta, como seria recebido? Aquele que bate à nossa porta, em busca de conforto para sua dor, para seu sofrimento, é outro Cristo que nos procura."
    "É preciso que todos tenham fé e esperança em um futuro melhor. O essencial é confiar em Deus. O amor constrói e solidifica."
    "Ame simplesmente, porque nada nem ninguém pode acabar com um amor sem explicação!"
    "As pessoas que espalham amor não têm tempo nem disposição para jogar pedras."
    "Sempre que puder, fale de amor e com amor para alguém. Faz bem aos ouvidos de quem ouve e à alma de quem fala."
    "No coração de cada homem, por mais violento que seja, sempre há uma semente de amor prestes a brotar."
    "Tudo seria melhor se houvesse mais amor."
    "Se houvesse mais amor, o mundo seria outro; se nós amássemos mais, haveria menos guerra. Tudo está resumido nisso: Dê o máximo de si em favor de seu irmão, e, assim sendo, haverá paz na terra."
    "O amor supera todos obstáculos, todos sacrifícios. Por mais que fizermos, tudo é pouco diante do que Deus faz por nós."
    "No amor e na fé encontraremos as forças necessárias para nossa missão."
    "O que fazer para mudar o mundo? Amar. O amor pode, sim, vencer o egoísmo."
    "Miséria é a falta de amor entre os homens."
    "O corpo é um templo sagrado, a mente, o altar. Então, devemos cuidá-los com o maior zelo. Corpo e mente são o reflexo de nossa alma, a forma como nos apresentamos ao mundo e um cartão de visitas para nosso encontro com Deus."
    "Nós somos como um lápis com que Deus escreve os textos que Ele quer ditos aos corações dos homens."
    "Habitue-se a ouvir a voz de seu coração. É através dele que Deus fala conosco e nos dá a força de que necessitamos para seguirmos em frente, vencendo os obstáculos que surgem em nossa estrada."
    "Não entro na área política, não tenho tempo para me inteirar das implicações partidárias. Meu partido é a pobreza."
    "Minha política é a do amor ao próximo."
    "Não existe estado mais sublime que o da pessoa que consagra sua vida a Deus. Devemos ser ricos Evangelhos, uma aliança no mútuo amor, uma íntima comunhão entre a alma consagrada e Deus."
    "Nós, portadores de Cristo, devemos dar testemunho às pessoas de vida dedicada a Deus na pessoa do pobre."
    "Deus transmite-nos todas as Graças de que necessitamos para bem executar nosso trabalho de amor e dedicação sem reserva a nossos irmãos sofredores: os pobres."
    "É certo que a vida de doação exige grandes sacrifícios, mas a íntima felicidade de que se desfruta, a tranquilidade e a Paz interior, conhecida tão somente por aqueles que fizeram uma doação, são seus frutos."
    "Devemos levar uma vida edificante e santa, principalmente na comunidade, na vida fraterna, na família, na qual devemos olhar as virtudes de nossos irmãos e irmãs, e não seus defeitos."
    "Toda nossa vida deve ser em função do amor a Deus. Amemos, amemos com um amor sem limites ao nosso Amado Jesus."
    "Se não gosto de cozinha, por exemplo, e mandam-me para lá, eis uma boa ocasião de oferecer um sacrifício, realizar uma boa ação, fazer por amor a Deus."
    "A preocupação com os bens materiais é natural, faz parte da vida humana. Mas o importante, o que de fato valoriza a vida são os gestos que rendem juros e correção na conta aberta em nome de cada um de nós no banco do Céu."
    "Os benfeitores, a quem eu nunca conseguirei agradecer plenamente, não se sintam completamente seguros: ainda haverá outras ocasiões em que bateremos às portas de seus generosos corações para pedir mais ajuda."
    "Devemos confiar incondicionalmente na Providência. Nunca me preocupei em saber como iria sustentar tanta gente, tantos doentes, pagar funerais, médicos, remédios etc."
    "Tudo se torna mais fácil quando se tem fé. Não uma fé oscilante, mas uma fé firme n'Aquele que tudo pode e tudo nos concede."

    "Há momentos em que nos sentimos abandonados porque nos esquecemos da onipotência de Deus. Ele tudo vê. Então é preciso acreditar e ter a certeza que nada é impossível aos olhos d'Ele."
    "Após mais de quarenta longos anos de serviço para Deus e para os pobres, sei que me resta pouco tempo de vida. Minha saúde, abalada constantemente, faz-me relembrar que meu prazo de permanência neste mundo é muito curto."
    "Obra de Deus não se interrompe, porque Ele não permite. Se foi Deus Quem construiu o hospital, por que haveria de sofrer interrupção? Eu nada fiz, porque nada sou. Quem faz tudo é Deus, nunca se esqueça disso."
    "Foi nosso povo, com sua fé, sob inspiração de Deus, que construiu toda essa obra."

    Em 1992, aos 77 anos, o Anjo Bom da Bahia foi para a casa do Pai.
    Serviu ao povo carente por mais de 50 anos. Viveu tão somente para fazer caridade e assim via-se muito feliz: "Se fosse preciso, começaria tudo outra vez, do mesmo jeito, andando pelo mesmo caminho de dificuldades, pois a fé, que nunca me abandona, me daria forças para ir sempre em frente."
    Santa Teresa de Calcutá era grande admiradora de seu trabalho.


    Em sua homenagem e para atender constantes visitas de agradecidos peregrinos, fez-se um memorial em Salvador.


    Santa Dulce dos Pobres, rogai por nós!