quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio


    "Entende-se, por Exercícios Espirituais, qualquer modo de examinar a consciência, meditar, contemplar, orar vocal ou mentalmente e outras atividades espirituais." (Santo Inácio de Loyola)
    Os exercícios propostos pelo Santo fundador da ordem jesuíta são métodos baseados em oração e contemplação, para que, através da Graça, o fiel possa atingir o discernimento espiritual, ou seja, distinguir entre as ações ou moções de Deus e aquelas meramente emersas de humanas fraquezas. Os seguidores da tradição de São Paulo reclamavam tal discernimento dos hebreus: "A julgar pelo tempo, já devíeis ser mestres! Contudo, ainda necessitais que vos ensinem os primeiros rudimentos da Palavra de Deus. E tornaste-vos tais que precisais de leite em vez de sólido alimento! Ora, quem se alimenta de leite não é capaz de compreender uma profunda doutrina, porque ainda é criança. Mas o sólido alimento é para os adultos, para aqueles que a experiência já exercitou na distinção do bem e do mal." Hb 5,12-14
    Aliás, o próprio Jesus reclamou dos discípulos que partiram de Jerusalém para Emaús, no Domingo da Ressurreição, sem ter compreendido o sentido de Sua Paixão: "Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para crerdes em tudo que anunciaram os Profetas! Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse em Sua Glória?" Lc 24,25-b26
    E quando apareceu aos Apóstolos, ainda no mesmo dia, Ele iria completar essa sentença, revelando nestes termos a missão da Igreja: "E que em Seu Nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas nações, começando por Jerusalém.'" Lc 24,47
    Com efeito, ao listar os dons do Espírito Santo, São Paulo mencionou esse importante discernimento: "Há diversidade de dons, mas um só Espírito. A um é dada pelo Espírito uma palavra de Sabedoria; ... a outro, o discernimento dos espíritos..." 1 Cor 12,4.8a.10
    Contudo, ele não deixava de apontar o coletivo aspecto do projeto da Salvação, que prima por reflexos na vida de todos cristãos, isto é, a Igreja: "Assim, uma vez que aspirais aos dons espirituais, procurai tê-los em abundância para edificação da Igreja." 1 Cor 14,12
    A finalidade última dos exercícios, portanto, é, através da vigilância, debelar mazelas espirituais que nos conduzem aos pecados capitais, que são a preguiça, a vaidade, a avareza, a inveja, a luxúria, a ira e a gula. Nosso Salvador alertava: "Em Verdade, em Verdade, digo-vos: todo homem que se entrega ao pecado é seu escravo." Jo 8,34b
    E recomendou o confronto, pois pecados menores se arrastam por anos e, se não combatidos, seu 'verme' não morrerá nem mesmo no inferno: "Se tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a! Melhor é entrares na Vida aleijado que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o inextinguível fogo. Se teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o! Melhor é entrares coxo na Vida Eterna que, tendo dois pés, seres lançado à geena do inextinguível fogo. Se teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o! Melhor é entrares com um olho a menos no Reino de Deus que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo, onde seu verme não morre e o fogo não se apaga." Mc 9,43.45.47-48
    Assim, sob a inspiração do Espírito de Cristo, o praticante deste exercício proposto por Santo Inácio escolhe, de cada vez, um pecado que deseja vencer, medita profundamente sobre ele durante parte da manhã, logo ao despertar, e torna a pensar nele, mas apenas brevemente, em 3 momentos do dia: ao meio-dia, ao anoitecer e antes de dormir. Para efeito de controle, caso tenha ocorrido, o fiel deve registrar por escrito quantas vezes cometeu esse pecado ao longo do dia. Tal prática diz respeito à recomendação de Jesus, ao profetizar tribulações que afligiriam o mundo: "Vigiai, pois, em todo tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de apresentardes de pé diante do Filho do Homem." Lc 21,36
    Dependendo da disponibilidade de tempo, deve-se persistir meditando sobre o mesmo erro por tantos dias quantos sejam necessários até que se tenha controlado seus impulsos, ou, ao menos, que dele se esteja suficientemente consciente.
    Essa prática deve ser levada a cabo no silêncio da intimidade, mesmo quando realizado em grupo, para provocar uma verdadeira imersão afetiva. A esperança é que, ao tomar perfeita consciência e corrigir seus 'desordenados afetos', o indivíduo possa conhecer profundamente a Pessoa de Jesus, meditando e contemplando de puro coração sobre Suas palavras e ações.
    O esforço para alcançar essa Comunhão com Cristo, que na verdade significa com Ele partilhar dos sofrimentos de Sua Paixão, tem como recompensa a 'consolação espiritual', que é um sinal da mística união com o Salvador, além, claro, de experimentar as primícias da Redenção por Ele proposta.
    Esses exercícios foram criados por Santo Inácio de Loyola em 1522, no período em que esteve em meditação numa gruta em Manresa, nas proximidades de Barcelona, quando registrou o que experimentava enquanto tentava mudar de vida e plenamente entregar-se a Deus.

OS EXERCÍCIOS

    O ideal é praticá-los num período de 30 dias seguidos, em regime de retiro, mas existem adaptações para intervalos de 8 a 10 dias, ou ainda 4 etapas distribuídas em 4 fins de semana, todas elas também em regime de reclusão. Mas para proveito de mais fieis, ainda há uma modalidade que pode ser posta em prática na vida cotidiana, dentro de casa ou no trabalho.
    São 5 passos diários de Exercícios Espirituais: de 1 a 4, temos o momento de oração, que deve durar em torno 1 hora ou, no mínimo, 30 minutos, e de preferência deve ser feito antes de qualquer atividade, logo ao acordar.
    1º - Coloca-se na presença de Deus: abre-se para um diálogo com Ele através da oração, fazendo-se ciente de Sua presença e com Ele partilhando tudo que se experimenta na alma.
    2º - Pede-se uma Graça de Deus: dizer a Ele o que se deseja alcançar, repetindo várias vezes para fortalecer a vontade de obter e tomar consciência da importância desse bem. O pedido deve ser feito de forma natural, com suas próprias palavras.
    3º - Medita-se sobre a Palavra de Deus: há trechos propostos para cada dia, oferecidos por centros de espiritualidade jesuíta, mas, dependendo do conhecimento do praticante, do desejo por alcançar ou do erro que pretende emendar-se, pode-se escolher, para cada dia, uma passagem do Evangelho que lhe fale diretamente ao coração. Uma frase ou uma palavra de especial importância deve ser repetida ao longo do dia, mentalmente ou em voz baixa, como forma de conscientização.
    4º - Conversa-se com Deus: o momento de oração deve terminar com o praticante dizendo ao Pai Celeste o que sente, abrindo-Lhe o coração, ciente de que para isso foi inspirado pelo Espírito Santo. De fato, Deus estimula-nos a conversar francamente Consigo.
    5º - Registram-se as impressões: ao final destes passos, anota-se palavras ou frases que traduzam as percepções que se teve, bem como as emoções e a força que a oração fez sentir. Embora essas notas possam ser relidas ao longo do dia, como forma de bem memorizar as experiências e melhor ater-se ao exercício, elas não podem ser usadas no momento de oração (passos de 1 a 4). Ao final da semana, as anotações devem ser levadas a um diretor espiritual, para que seja analisado o caminho percorrido e ele decida as próximas etapas.
    No Domingo, durante a Santa Missa, nos momentos de reflexão deve-se evocar as mais significativas moções que de Deus se percebeu durante a semana.


A PIEDADE

    Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio têm sido de grande importância para a espiritualidade católica. Eles são utilizados por membros de todas ordens visando aprofundar o autoconhecimento e melhor servir a Deus.
    Também o Papa e membros da Cúria Romana, uma vez por ano, durante as penitências da Quaresma, fazem um retiro tomando como base esse método desenvolvido por nosso Santo, que fundou a Companhia de Jesus.
    Enfim, é evidente que os exercícios espirituais nos conduzem à perene religiosidade, que ajuda a preservar o estado de Graça alcançado pelos Sacramentos. E é desta religiosidade que São Paulo fala quando usa o termo piedade na Carta a São Timóteo: "Exercita-te na piedade. Se o exercício corporal traz algum pequeno proveito, a piedade, esta sim, é útil para tudo, porque tem a promessa da presente e da futura Vida." 1 Tm 4,8-9
    Com ela, ele lista outras importantíssimas metas: "Mas tu, ó homem de Deus, foge desses vícios e com todo empenho procura a piedade, a , a caridade, a paciência, a mansidão. Combate o bom combate da fé. Conquista a Vida Eterna, para a qual foste chamado..." 1 Tm 6,11-12a
    E sintetiza: "Cumpre, somente, que em vosso proceder vos mostreis dignos do Evangelho de Cristo." Fl 1,27a
    Denunciando as heresias difundidas pelo mundo, São Pedro dá igual recomendação: "Vós, pois, caríssimos, advertidos de antemão, tomai cuidado para que não caiais de vossa firmeza, levados pelo erro destes ímpios homens. Mas crescei na Graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo." 2 Pd 3,17-18a
    É o que dizia o próprio Jesus: "Antes buscai o Reino de Deus e Sua justiça..." Lc 12,31a
    Ele proclamou: "Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e Verdade, e esses são adoradores que o Pai deseja." Jo 4,23
    É isso, ademais, o conjunto de ensinamentos da Igreja, como o Apóstolo dos Gentios escreve na Primeira Carta aos Tessalonicenses: "No mais, irmãos, de nós ouvistes a maneira como deveis proceder para agradar a Deus, e já o fazeis. Rogamo-vos, pois, e exortamo-vos no Senhor Jesus a que progridais sempre mais. Pois conheceis os preceitos que vos demos da parte do Senhor Jesus." 1 Ts 4,1-2
    E ciente do bem maior a ser alcançado, ele prega a plenitude do amor ao próximo: "Progredi na caridade segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós Se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor." Ef 5,2
    Para tal crescimento, porém, ele pedia entendimento e vida de unidade com a Igreja: "Para que não continuemos crianças ao sabor das ondas, agitados por qualquer sopro de doutrina, ao capricho da malignidade dos homens e de seus enganadores artifícios. Mas pela sincera prática da caridade, cresçamos em todos sentidos n'Aquele que é a cabeça, Cristo. É por Ele que todo o Corpo, coordenado e unido por conexões que estão a Seu dispor, cada um trabalhando conforme a atividade que lhe é própria, efetua esse crescimento, visando sua plena edificação na caridade. Portanto, eis o que digo e conjuro no Senhor: não persistais em viver como os pagãos, que andam à mercê de suas frívolas idéias. Têm o entendimento obscurecido. Sua ignorância e o endurecimento de seu coração mantêm-nos afastados da Vida de Deus. Indolentes, entregaram-se à dissolução, à apaixonada prática de toda espécie de impureza. Vós, porém, não foi para isto que vos tornastes discípulos de Cristo, se é que O ouvistes e d'Ele aprendestes, como convém à Verdade em Jesus. Renunciai à vida passada, despojai-vos do velho homem, corrompido por enganadoras concupiscências. Renovai sem cessar o sentimento de vossa alma e revesti-vos do novo homem, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade. Por isso, renunciai à mentira. Não deis lugar ao Demônio. Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o Qual estais selados para o Dia da Redenção." Ef 4,17-25a.27.30
    E instava: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação de vosso espírito para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe agrada e o que é perfeito." Rm 12,2
    Quanto às etapas dessa ascese, temos uma luminosa sugestão de São Pedro. Aqui, no entanto, ao invés de pecados a serem debelados, o Príncipe dos Apóstolos recomenda-nos uma sequência de dons que todo cristão deve pedir a Deus: "Por estes motivos, esforçai-vos quanto possível por unir à vossa fé a virtude, à virtude a ciência, à ciência a temperança, à temperança a paciência, à paciência a piedade, à piedade o fraterno amor, e ao fraterno amor a caridade. Se estas virtudes abundantemente se acharem em vós, elas não vos deixarão inativos nem infrutuosos no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo." 2 Pd 1,5-9
    O livro da Sabedoria já advertia: "A Sabedoria não entrará na perversa alma, nem habitará no corpo sujeito ao pecado. O Espírito Santo Educador das almas fugirá da perfídia, afastar-Se-á de insensatos pensamentos, e a iniquidade que está por vir repeli-Lo-á." Sb 1,4-5
    O Eclesiástico observa: "O prudente coração reflete sobre as palavras dos sábios, e com atento ouvido deseja a Sabedoria." Eclo 3,31
    E de sua acurada inspiração, o salmista aponta: "Feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor, e medita Sua Lei de dia e de noite." Sl 1,2

    "Em Comunhão com toda a Igreja aqui estamos!"