quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Santo Antão


    O 'Pai dos Monges Cristãos' nasceu em 251, em Tebaida, região do Alto Egito, filho de ricos camponeses. Ao perder os pais, por volta dos 20 anos, ouviu numa Santa Missa o convite de Jesus à perfeição, feito a um rico jovem: "Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois vem e segue-Me!" Mt 19,21
    Em sua já profunda espiritualidade, Santo Antão decidiu viver plenamente sua . Consagrou sua única irmã a uma congregação feminina, ofereceu a herança dela como doação, distribuiu sua parte entre os pobres e foi viver no deserto, onde seus ex-escravos, em agradecimento pela gratuita alforria, esporadicamente lhe traziam algum alimento, conforme lhes requisitava.
    Por várias vezes foi tentado e até fisicamente agredido pelo Demônio, mas com bravura resistia. Sua história tornou-se conhecida em toda região, e ao inimigo muito interessava que ele fracassasse. Apenas de posse das Escrituras, Santo Antão sabia que Deus não lhe faltaria, porém percebeu que em geral Sua intervenção se dava nos mais difíceis momentos, e que por suas próprias forças teria que vencer o inimigo. De fato, às Suas ovelhas prometeu Jesus proteção e vitória: "Elas jamais hão de perecer, e ninguém as roubará de Minha mão." Jo 28,10b
    Mas isso não se dá sem a batalha contra o pecado: "Se alguém quiser vir Comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-Me." Mt 16,24b
    Jesus também determinou: "Se tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a! Melhor é entrares na Vida aleijado que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o inextinguível fogo. Se teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o! Melhor é entrares coxo na Vida Eterna que, tendo dois pés, seres lançado à geena do inextinguível fogo. Se teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o! Melhor é entrares com um olho de menos no Reino de Deus que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo, onde seu verme não morre e o fogo não se apaga." Mc 9,43.45.47-48
    Pois primeiro somos tentados por más inclinações que nós mesmos alimentamos, como São Tiago Menor escreveu: "Ninguém, quando for tentado, diga: 'É Deus Quem me tenta.' Deus é inacessível ao Mal e não tenta a ninguém. Cada um é tentado por sua própria concupiscência, que o atrai e alicia." Tg 14,13-14
    Jesus ainda falou na batalha contra o mundo, dominado pelo inimigo: "Portanto, quem der testemunho de Mim diante dos homens, Eu também darei testemunho dele diante de Meu Pai que está nos Céus. Aquele, porém, que Me negar diante dos homens, Eu também negá-lo-ei diante de Meu Pai que está nos Céus." Mt 10,32-33
    Até falou em martírio: "Então sereis entregues aos tormentos, matá-vos-ão e por Minha causa sereis objeto de ódio para todas nações." Mt 24,9
    Falou, enfim, na batalha contra o próprio inimigo, ao advertir São Pedro: "Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para peneirar-vos como o trigo." Lc 22,31
    E nessas três batalhas, contra o pecado, contra o mundo e contra o inimigo, pediu pertinácia: "Entretanto, aquele que perseverar até o fim será salvo." Mt 24,13


    Para manter-se sempre atento aos artifícios do maligno, pois, Santo Antão tenazmente entregou-se a ascéticos exercícios, através de orações, leitura e meditação da Palavra, contemplação, assim como jejuns e vigílias, entre outras penitências, além de pesados trabalhos. Ocasionalmente, atendia a quem lhe procurava em busca de oração e aconselhamento espiritual.
    Após alguns anos e as primeiras grandes vitórias sobre o Mal, passou a viver vagando pelos cemitérios, dormindo em catacumbas. Queria enfrentar o maior dos medos: a morte.


    Os maus espíritos, entretanto, não lhe davam trégua. Era frequentemente atormentado e espancado, de modo que passava várias semanas de noites em claro, para evitar os sustos que eles lhe pregavam e protegendo o rosto e o corpo de covardes golpes. Além de muitas escoriações, padeceu toda sorte de assombrações, das mais horríveis que se sabe, mas também a essas ele venceu.


    Voltou, enfim, para o deserto, mas a frequência com que o povo agora o procurava não mais permitia a vida de eremita, e muita gente queria apenas suas orações, sem abraçar uma efetiva conversão, que era seu maior exemplo. Afastou-se, então, para ainda mais ermos e remotos lugares, e conseguiu viver mais alguns anos sem ser encontrado. Fez sua própria horta e não mais dependia de que lhe levassem alimento. Contudo, acabou sendo localizado por religiosos que já o conheciam, e queriam que lhes ensinasse a viver o eremitério. Espalharam-se, cada um em sua caverna, e periodicamente Santo Antão visitava-os, acompanhando e direcionando seus esforços.
    Aos poucos, esses anacoretas foram edificando uma sólida estrutura de subsistência e breve eram uma grande comunidade, onde por dias a fio o isolamento por ele idealizado não tinha como ser mantido, ao contrário de como faziam no início. Tão numerosos, embora fosse exigido silêncio, algumas vezes ao dia encontravam-se e acabavam por entreter-se quando iam trabalhar na orta, buscar água e visitar alguém em estado de fraqueza ou com alguma enfermidade, para juntos rezarem.
    E poucos anos depois precisaram mesmo construir um mosteiro para que não fossem tirados do isolamento, seja pelas frequentes visitas que recebiam de cristãos, carentes de orientação espiritual, de oração ou querendo estar um pouco em companhia deles, ou mesmo por ataques de ladrões que lhes levaram os víveres.
    Quando começaram a construí-lo, Santo Antão já não vivia entre eles. Havia-se afastado para outro lugar no deserto, onde só era encontrado por seus mais antigos e mais próximos discípulos. Não podia abrir mão da solidão: era sua identidade. Raramente vinha para uma visita à comunidade de ascetas, e certamente era conduzido até eles pelo próprio Espírito de Deus, pois nessas ocasiões sua presença realmente se fazia necessária.
    E ainda por estes tempos via e ouvia seus combates espirituais, como relatou Santo Atanásio: "Quando visitávamos Santo Antão, nas ruínas onde vivia, escutávamos tumulto, muitas vozes e choque de armas. Também víamos aparecer, durante a noite, bestas selvagens, e o Santo combatia contra elas através da oração."
    Em 311, foi guiado pelo Espírito Santo a Alexandria, para defender os cristãos das perseguições de Maximino II, que se apaixonara por Santa Catarina de Alexandria e ficou revoltado quando teve seu pedido de casamento rejeitado por esta virgem mártir. Orgulhoso e vingativo, o imperador suspendeu o Édito de Tolerância de Galério e declarou violentas perseguições aos seguidores de Cristo.
    Ao retornar, porém, Santo Antão achou que já havia dado sua contribuição aos eremitas, que os mais antigos já estavam prontos para instruir os demais, e assim partiu sem nada avisar. Isolou-se ainda mais longe nas montanhas do deserto do Egito, totalmente fora do alcance até dos mais próximos seguidores, decisão que eles entenderam e respeitaram.
    Contudo, em 334 um acontecimento tirou-o da solidão. Teve um sonho: havia um homem ainda mais velho que ele morando no deserto. Tratava-se um Santo, sem dúvida, e desde muitas décadas não via ninguém. Era São Paulo Eremita, cuja vida muito parecia com a de Santo Antão, mas que, após se esconder das perseguições de Décio, em 250, nunca mais se deixara encontrar por quem quer que fosse. Levava tão a sério seu isolamento, e por isso vivia tão afastado de tudo, que, quando as palmeiras não lhe davam o alimento, dependia apenas de um corvo (seu Anjo da Guarda?) para trazer-lhe o pão de cada dia.


    Santo Antão foi ao seu encontro e com ele conversou por todo dia. Passaram a noite em oração e na seguinte manhã São Paulo pediu-lhe um manto, que havia recebido de presente de Santo Atanásio: queria ser enterrado com ele. Santo Antão inicialmente surpreendeu-se, pois nada lhe havia falado daquele manto nem de quem lhe dera, mas logo ficou muito feliz por constatar que ele possuía o divino dom da clarevidência. Brevemente despediu-se e foi buscar-lhe o manto, pois São Paulo Eremita vestia-se apenas de mantos de palha. Ao voltar, porém, não mais o encontrou.
    Poucas semanas mais tarde, teve uma visão: era a alma de São Paulo Eremita que subia aos Céus. Assim, apressou-se em pôr-se a caminho do lugar onde ele vivia, e enterrou seu corpo com o manto que ele tinha solicitado.
    Décadas depois, seus discípulos mais uma vez precisaram de consultar-se. Só Santo Antão poderia desfazer uma ruidosa discussão que transtornava a Igreja! Ário, um cristão de judaica origem, estava pervertendo toda cristandade local com uma heresia: pregava que Jesus não tinha natureza idêntica a de Deus Pai, seria a primeira e mais perfeita criatura, mas não seria Deus. E assim eles procuraram Santo Antão por quase todo deserto do Egito para que interviesse em socorro da Sã Doutrina. Visitaram várias cidades e aldeias na região, indagaram os mais velhos, seguiram caravanas pelo deserto mas, mesmo após vários meses de esforços, não encontraram nenhuma pista.
    Numa feira, porém, interrogando comerciantes que cruzavam os desertos com tropas de camelos, encontraram um homem de meia idade que dizia lembrar-se de um senhor com tais características. Quando criança, alguém assim havia acompanhado a caravana de seu pai por um trecho, e sabia dizer em que lugar ele se havia apartado, pois sua pessoa e tal atitude provocaram profunda admiração a todos. Disse que jamais o havia esquecido, de tão boa impressão que desde o primeiro momento lhe causara.
    Ele estava certo! Depois de algumas semanas de buscas nas cercanias do indicado lugar, encontraram Santo Antão no alto de uma montanha. Havia uma gruta, uma pequena plantação, uma fonte: era o Santo do deserto. E não precisaram insistir muito: ele já havia sido informado em sonho (seu Anjo Ministerial?) de que precisava viajar em missão.
    Era 355, e assim, aos 104 anos, Santo Antão outra vez foi a Alexandria. Na principal igreja, acontecia um público e acalorado debate, no qual várias e notáveis figuras se pronunciavam. Santo Antão, que só falava o copta e não entendia os detalhes que se discutiam, fosse em grego, fosse em latim, em certo momento, após vários discursos, determinadamente levantou-se e tal gesto fez com que todos se calassem, voltando os olhos para ele, que por toda parte já era reconhecido como um Santo em vida. Ergueu seu cajado e, referindo-se à Pessoa de Jesus, disse em alta voz em copta: 'Eu O vi!'
    Não mais precisou dizer palavra alguma. A multidão, que era contra o arianismo, entendeu muito bem seu recado e ovacionou-o com aplausos e grande alegria. Se Jesus lhe havia aparecido, e se ele o afirmava com vibrante convicção, era porque testemunhava Jesus como consubstancial ao Pai.
    Voltando de Alexandria, foi conhecer o mosteiro onde viviam seus primeiros discípulos. Estavam todos eufóricos, muitos fatos foram relembrados em comedidas palavras, mas Santo Antão precisava voltar para 'casa'. Alguns discípulos se ofereceram para acompanhá-lo, o que ele permitiu apenas por um percurso da viagem.


    Morreu em 356, aos 105 anos, em pleno isolamento. Pouco depois, seu corpo foi encontrado por Santo Atanásio, que já era Bispo de Alexandria e, inspirado pelo Espírito Santo, procurava-o para mais uma visita espiritual. Ele contou sua história no livro 'Vita Antonii', escrita no ano de 360.


    Depois de muitas locações ao longo dos séculos, suas últimas relíquias encontram-se em Marme, na província de Groningen, extremo norte da Holanda, na pequena mas muito venerada igreja da vila de Warfhuizen, de forte tradições espanholas e especial devoção à Nossa Senhora das Dores.


    Santo Antão, rogai por nós!