quinta-feira, 1 de junho de 2023

São Justino


    De pais latinos, nasceu na Samaria, em Flávia Neápolis, atual Nablus, terras da Cisjordânia. Na infância foi aluno dos melhores mestres, e teve aulas de História, Retórica e Poesia. Adulto, estudou Filosofia e em profundidade conheceu as correntes do estoicismo e do platonismo. Poderia ter-se tornado um grande mestre, mas Deus atraiu-o para a experiência do deserto. Através de sua sensível inteligência, o Senhor revelou-lhe as futilidades da vida social.
    Uma vez no eremitério, conheceu um senhor de idade que lhe falou do Cristo, segundo suas próprias palavras, "como confiável testemunha da Verdade". Também falou-lhe dos Profetas da Bíblia, de suas profecias, e confrontou-os com os filósofos que ele havia estudado. Mas tão misteriosamente como esse ancião lhe apareceu, também despareceu (teria sido seu Anjo da Guarda?). São Justino escreveu que, após esse encontro, "Meu espírito foi imediatamente posto em brasa, e uma afeição pelos Profetas e por aqueles que são amigos de Cristo tomou conta de mim. Enquanto ponderava nestas palavras, descobri que Sua Filosofia era a única segura e útil."
   Voltou à vida urbana e continuou vestindo-se com a capa que lhe identificava como filósofo, mas, depois de presenciar uma violenta perseguição aos cristãos, ficou absolutamente estarrecido. Buscou conhecer melhor quem eram essas pessoas e como viviam, e, impressionado com tão fervorosa , que desafiava a própria morte, definitivamente entregou sua alma a Jesus.
    Foi batizado no ano de 130, aos 27 anos, em Éfeso, mesmo sabendo do grande risco em que colocava sua vida. E aí mesmo, nessa grande cidade, onde São João Evangelista havia sido bispo, começou a ensinar o Evangelho ao invés da Filosofia de Platão, que até então tanto admirava. Tornou-se o primeiro dos Padres da Igreja, sucedendo diretamente os 'Padres' Apóstolos. Sua Teologia impressionava a todos.


     Em pouco tempo sua fama levou-o a Roma, e lá debatia com os maiores filósofos da época, que não conseguiam vencê-lo. Fartamente escreveu, com merecido destaque para "Apologia I" e "Apologia II", nas quais enaltece o Cristianismo, e mais uma grande obra chamada "Diálogo com Trifão", que era o grande filósofo de então.
    Em seus livros deixou importantes descrições dos rituais da Igreja, como o mais antigo registro que se tem da Santa Missa. Também descreveu outros ritos e, uma preciosidade, como se ministrava os Sacramentos nos primórdios do Catolicismo. É o autor de uma esclarecedora anotação sobre o Batismo, que sempre dispensou a imersão em água corrente: "Os que são batizados por nós, são levados para um lugar onde haja água e são regenerados da mesma forma como nós fomos. É em Nome do Pai de todos e Senhor Deus, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, e do Espírito Santo que recebem a loção na Água. Este rito foi-nos entregue pelos Apóstolos." (Apologia I, 61)
    Sobre a Eucaristia, ele escreve: "Os Apóstolos, em suas memórias que chamamos Evangelhos, transmitiram-nos a recomendação que Jesus lhes fizera. Tendo Ele tomado o pão e dado graças, disse: 'Fazei isto em memória de Mim. Isto é Meu Corpo'; e igualmente tomando o cálice e dando graças, disse: 'Este é Meu Sangue', e deu-Os somente a eles. Desde então, nunca mais deixamos de recordar estas coisas entre nós." (Apologia I, 66-67)
    E mais: "Designamos este alimento Eucaristia. A ninguém é permitido dele participar, sem que creia na Verdade de nossa Doutrina, que já tenha recebido o Batismo de remissão dos pecados e do novo nascimento, e viva conforme os ensinamentos de Cristo. Pois não tomamos estas coisas como pão ou bebida comuns; senão, que assim como Jesus Cristo, feito Carne pela Palavra de Deus, teve Carne e Sangue para salvar-nos, assim também o alimento feito Eucaristia (...) é a Carne e o Sangue de Jesus Encarnado. Assim nos ensinaram." (Apologias I, 65-67)
    Escreveu sobre o Domingo: "Reunimo-nos todos no dia do Sol, não só porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, criou o mundo, mas também porque neste mesmo dia Jesus Cristo, Nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Crucificaram-nO na véspera do dia de Saturno; e no dia seguinte a este, ou seja, no dia do Sol, aparecendo a Seus Apóstolos e discípulos, ensinou-lhes tudo que também nós vos propusemos como digno de consideração." (Apologia I, 66-67)
    Como citava partes do Evangelho de São Mateus, de São Marcos, de São Lucas e provavelmente também de São João, pode-se concluir que, no início da primeira metade do século II, os 4 Evangelhos já estivessem consolidados como Canônicos pela Igreja, ainda que vistos sem distinção entre si e chamados por São Justino de "Memórias dos Apóstolos." Poucas décadas depois, Santo Irineu, aluno de São Policarpo, apenas corroboraria esta percepção.
    Nosso Santo coloca o Cristianismo como o ápice da Filosofia Grega. Jesus seria o Logos de que os filósofos falavam: "Aprendemos que Cristo é o Primogênito de Deus e que é o Logos, do Qual participa todo gênero humano." (Apologia I, 46)
    São de escritos seus:

    "Pois escolho não seguir homens ou as doutrinas dos homens, mas sim Deus e as doutrinas por Ele entregues. Pois, se tu te envolveste com alguns que são chamados cristãos, mas que não admitem essa Verdade, e arriscam-se a blasfemar contra o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, dizendo que não há Ressurreição dos mortos, e que suas almas, quando morrem, são levadas para o Céu, não imagines que eles são cristãos."
    "Entenda-se que aqueles que não são encontrados vivendo como Ele ensinou, não são cristãos, embora com os lábios professem os ensinamentos de Cristo."
    "Ninguém que é bem instruído troca verdadeira por falsa crença."
    "A Sã Doutrina não entra em um duro e desobediente coração."
    "Examinando a língua do paciente, os médicos descobrem as doenças do corpo, e os filósofos, as doenças da mente."
    "O mundo não sofre nada dos cristãos, mas odeia-os porque eles rejeitam seus prazeres."
    "Nós costumávamos odiar e destruir uns aos outros, e recusávamos a associar-nos com pessoas de outra raça ou país. Agora, por causa de Cristo, nós vivemos juntos com essas pessoas e oramos por nossos inimigos."
    "Nós que odiamos e assassinamos uns aos outros, agora vivemos juntos e compartilhamos a mesma mesa. Nós oramos por nossos inimigos e tentamos conquistar aqueles que nos odeiam."
    "Nós oramos por nossos inimigos. Procuramos persuadir aqueles que nos odeiam sem motivo a viver de acordo com os bons preceitos de Cristo, para que conosco possam tornar-se participantes da alegre esperança das bênçãos de Deus, o Senhor de todos."

    "Nós mesmos estávamos bem familiarizados com a guerra, o assassinato e tudo que é mau, mas todos nós, em toda vasta terra, trocamos nossas armas de guerra. Trocamos nossas espadas por arados, nossas lanças por ferramentas agrícolas... agora cultivamos o temor a Deus, a justiça, a bondade, a fé e a expectativa do futuro que nos foi dada através do Crucificado... Quanto mais somos perseguidos e martirizados, mais os outros, em cada vez maior número, tornam-se crentes."
    "Se alguns acusarem-nos, como se acreditássemos que as pessoas nascidas antes da época de Cristo não eram responsáveis perante Deus por suas ações, devemos antecipar-nos e responder a essa dificuldade. Nós fomos ensinados que Cristo é o Primogênito de Deus, e nós declaramos que Ele é o Logos do Qual toda humanidade participa. Aqueles, portanto, que viviam de acordo com a razão (logos) realmente eram cristãos, embora fossem considerados ateus, como, entre os gregos, Sócrates, Heráclito e outros como eles."
    "Quando dizemos que Jesus Cristo foi gerado sem união sexual, foi crucificado e morreu, ressuscitou e subiu ao Céu, não propomos nada de novo ou diferente do que tu acreditas em relação àqueles a quem chamas de filhos de Júpiter."
    "E se afirmarmos que Ele nasceu de uma virgem, aceite isso em comum com o que tu aceitas de Perseu."
    "No que dizemos que Ele tornou são o aleijado, o paralítico e os cegos de nascença, parece que dizemos o que é muito semelhante aos feitos que dizem ter sido realizados por Esculápio."
    "Nós desviamo-nos dos caminhos do Imortal! E com uma monótona e insensata mente adoramos ídolos, a obra de nossas próprias mãos, e imagens e figuras de homens mortos."

    "Adoramos o Deus dos cristãos, a Quem consideramos como único Criador, desde o princípio, artífice de toda Criação, das coisas visíveis e invisíveis; também adoramos o Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que os Profetas anunciaram vir ao gênero humano como mensageiro da Salvação e Mestre da Boa Doutrina."
    "Na verdade, procurei conhecer todas doutrinas, mas acabei por abraçar a verdadeira Doutrina dos cristãos, embora ela não seja aceita por aqueles que vivem no erro."
    
"Desejamos e esperamos chegar à Salvação através dos tormentos que sofrermos por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. O sofrimento garante-nos a Salvação e dá-nos confiança perante o tribunal de Nosso Senhor e Salvador, que é universal e mais terrível que o teu."
    "Espero entrar naquela morada (o Céu), se tiver de sofrer o que dizes. Pois sei que para todos que santamente viverem está reservada a recompensa de Deus, até o fim do mundo inteiro."
    "Reconheço o valor das profecias que previamente anunciaram Aquele que afirmei ser o Filho de Deus. Sei que eram inspirados por Deus os Profetas que vaticinaram Sua Vinda entre os homens."
    "Esperamos receber de novo nossos próprios corpos, ainda que estejam mortos e misturados à terra, pois sustentamos que com Deus nada é impossível."
    "Por causa desta bacia de arrependimento e conhecimento de Deus, que foi ordenado pela transgressão do povo de Deus, como Isaías clama, nós cremos e testificamos que o próprio Batismo que ele anunciou é o único capaz de purificar aqueles que se arrependem. É a Água da Vida. Mas as cisternas que tu cavaste por ti mesmo estão quebradas e sem nenhum benefício. Pois qual é o uso de um batismo que só purifica a carne e o corpo? Batize a alma contra a ira e a cobiça, contra a inveja e o ódio, e eis que o corpo se torna puro!"
    "A esse Batismo dá-se o nome de iluminação, porque os iniciados nesta Doutrina ficam iluminados em sua inteligência. Mas a purificação daquele que é iluminado também se faz em Nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos, e em Nome do Espírito Santo que, pelos Profetas, tudo predisse que dizia respeito a Jesus."
    "Para também termos um nascimento que não seja fruto da simples natureza e da ignorância, mas sim de uma consciente escolha, e obtermos pela Água o perdão dos pecados cometidos, sobre aquele que desejar ser regenerado e fizer penitência dos pecados é pronunciado o Nome do Criador e Senhor Deus de todas coisas, Nome que somente é invocado sobre aquele que é conduzido à Água do Batismo."
    
"Se tu estás ansiosamente à procura de Salvação, e se tu acreditas em Deus, tu podes... familiarizar-te com o Cristo de Deus, e, depois de ser iniciado (batizado), viver uma feliz vida."
    "Mas se mostra-se que tão grande poder se tenha seguido, e ainda esteja se seguindo, à dispensação de Seu sofrimento, quão grande será aquele que se seguirá ao Seu Glorioso Advento! Porque nas nuvens Ele virá como o Filho do Homem, assim Daniel predisse, e Seus anjos virão com Ele."

 
    Teria sido por ciúme de outro filósofo romano, Crescêncio, a quem fragorosamente derrotou em vários debates, que São Justino foi denunciado como cristão ao imperador Marco Aurélio.
    Mas muitas autoridades romanas estavam incomodadas com suas pregações, pois convertia muitos intelectuais e era amado pelo povo, que já o tratava como Santo. Seus sermões enchiam as praças públicas, e as assembleias cristãs, rudimentos de nossas Santas Missas, eram bastante concorridas quando presididas por ele.
    Como não negava sua fé em Cristo, nem mesmo sob graves ameaças, foi supliciado e decapitado aos 61 anos, mas entre outros cristãos que estavam para ser martirizados, pois assim pediu. Não se julgava melhor que eles.


    Na costa italiana do Mar Adriático, na comuna de Monte San Vito, em Ancona, na terceira capela da Igreja Colegiada de São Pedro Apóstolo guardam-se suas relíquias.


    A igreja dos jesuítas na cidade de Valleta, em Malta, também guarda parte de suas relíquias no altar dedicado a São Joaquim e Santa Ana.


    São Justino, rogai por nós!