sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

São Policarpo


    Era discípulo de São João Evangelista, fato que lhe confere o título de Padre Apostólico, exclusivamente dado a pessoais seguidores daqueles que formavam o Colégio dos Doze. Também obteve a Graça de conhecer e conviver com alguns deles.
    São Policarpo foi ordenado Bispo de Esmirna pelo próprio São João, e teve sua história contada por Santo Irineu, seu melhor discípulo, que sucedeu São Timóteo como Bispo de Lyon, na França. Nas primeiríssimas décadas da Igreja, Esmirna era uma da sete mais importantes cidades da 'Ásia', como era chamada essa província romana, hoje região a sudoeste da Turquia.
    De família cristã, nosso Santo relata ter ouvido desde a infância as pregações do "Amado Discípulo (Jo 19,26)", sentado a seus pés. E por tão verazes e preciosos registros, Santo Irineu tornou-se o mais importante erudito do Catolicismo no século II.
    São Policarpo escreveu várias cartas de suma importância, como se atesta por muitos fragmentos, mas delas só foi totalmente preservada a conhecida 'Carta de Policarpo aos Filipenses', do ano de 110, que os protestantes fazem questão de renegar pois a história deste Santo atesta que toda a Igreja está submissa apenas à autoridade dos bispos ordenados pelos Apóstolos, e deles sucessivamente até os dias de hoje.
    Ora, Tertuliano, Padre Latino e apologista cristão do século II, declarou que "Policarpo teria sido ordenado... pelas mãos do próprio Apóstolo João, 'segundo a tradição daquela igreja, do mesmo modo que a igreja de Roma afirma que Clemente fora ordenado bispo por Pedro.'"
    Santo Irineu, no mesmo sentido, testemunhou que São Policarpo "não apenas foi discípulo dos Apóstolos e familiarmente viveu com muitos daqueles que tinham visto o Senhor, mas foi estabelecido bispo da Ásia, na igreja de Esmirna, pelos próprios Apóstolos."
    E quando São Policarpo esteve em Roma, "na época do bispado de Aniceto", seu testemunho a esse respeito, ou seja, do Sacramento da Ordenação, teria "... levado à conversão muitos dos gnósticos."
    Como prova da Unidade da Igreja, que ele ardorosamente defendia, os membros da igreja de Esmirna escreveram uma epístola após seu martírio e registraram uma oração sua, na qual ele "fez menção de todos quantos em sua vida tiveram trato com ele, pequenos e grandes, ilustres e humildes, e especialmente de toda Igreja Católica, espalhada por toda terra."
    Essa epístola fala em 'paróquias', termo grego que significa comunidades de 'exilados' do Paraíso, e é endereçada aos irmãos de Filomélio e de todo terra, nestas palavras: "A Igreja de Deus que peregrina em Esmirna à Igreja de Deus que peregrina em Filomélio, e a todas paróquias da Igreja Santa e Católica em todo mundo."
    As pregações de nosso Santo, ademais, estão em plena harmonia com as cartas de Santo Inácio de Antioquia, de quem foi pessoal amigo e recebeu várias epístolas, inclusive as mais conhecidas, enviadas das cidades por onde este grande Santo passou enquanto era levado a Roma para ser martirizado.
    Enfim, vários outros registros foram-nos transmitidos pelo próprio São Policarpo, apesar de sua conhecida vocação de evangelizador, pois sempre foi mais voltado para os assuntos pastorais que os da história ou da administração da Igreja.


    Santo Irineu, em sua famosa obra 'Contra as Heresias', fez menção a essa carta de São Policarpo que nos chegou: "Também há uma poderosa epístola escrita por Policarpo aos Filipenses, de onde aqueles que desejarem e estiverem ansiosos por sua Salvação podem aprender o caráter de sua e a pregação da Verdade."
    De fato, nela São Policarpo menciona 60 passagens do Novo Testamento, que atestam o quão antiga é a canonicidade dos quatro Evangelhos e das Cartas Apostólicas. 34 dessas são passagens de cartas de São Paulo, fato que reflete seu profundo conhecimento e intimidade com a nascente Igreja. Ele também cita vários ensinamentos que diretamente recebeu de São João Evangelista.
    De conciliador espírito, São Policarpo foi a Roma, quando Aniceto era Papa, como representante das igrejas da 'Ásia' para que chegassem a um consenso sobre a data da Páscoa, que estava sendo comemorada em diferentes dias em Roma e no Oriente. E embora não tenham chegado a um acordo, juntos celebraram a Liturgia, mostrando unidade na fé a despeito de momentâneas e menores divergências doutrinárias, e que pouco mais tarde seriam resolvidas em Concílio, como a Igreja sempre fez sob a luz do Espírito Santo.
    São Policarpo cumpria essas cerimônias com profunda reverência e desvelo, pois sua principal paixão era viver interiormente a fé, numa postura de verdadeira humildade. Regia-se pelo Pai Nosso: "... seja feita Vossa vontade...", pois, por sensatez, bem sabia que ao final o Senhor sempre faz valer Seus desígnios.
    Ainda em Roma, pessoalmente conheceu Marcião e Valentino, criadores das heresias da época, aos quais questionou com desconcertante Sabedoria e impôs-lhes fragorosas derrotas. Os principais dos judeus também não lhe bem queriam, porque convertia muitos de seus fiéis por meio das próprias Escrituras, que profundamente conhecia. De fato, tanto os hereges como os líderes judeus iriam comemorar sua morte.
    No ano de 155, aos 86 anos, teve uma visão de sua morte, que três dias depois aconteceria na brutal perseguição aos cristãos perpetrada pelo imperador Marco Aurélio. Sabendo que seria condenado à fogueira, avisou a seus amigos e, atento às necessidades da Igreja e em seu reverencial respeito ao Sacramento da Ordenação, preparou sua sucessão.
    Quando foi preso e levado ao tribunal do cônsul Estácio, estava em estado de Graça, ou seja, em perfeita serenidade e santidade. Instado a renegar sua fé, afirmou: "Eu tenho servido a Cristo por 86 anos e Ele nunca me fez nenhum mal. Como posso blasfemar contra Meu Redentor, que me salvou? Se por um só momento tu imaginas que eu faria isso, acho que finges não saber quem sou. Ouça bem claro: eu sou cristão!"
    E ao ouvir sua sentença de morte, calmamente proferiu: "Eu abençoo-te por tornar-me digno deste dia e desta hora, para estar entre os mártires e beber o cálice de Meu Senhor Jesus Cristo."
    Levado à fogueira, enfim ele rezou: "Sede bendito para sempre, ó Senhor. Que Vosso adorável Nome seja glorificado por todos séculos."


    Mas como não parava de louvar a Deus, o fogo não lhe queimava. Seus carrascos então o retiraram da fogueira e o amarraram numa estaca, onde foi morto à espada. Contudo, como a ordem era para reduzi-lo a cinzas, de novo levaram seu corpo à fogueira, onde por fim foi queimado. Milagrosamente, sua carne exalava um delicioso cheiro de pão cozido.
    Sua morte foi descrita um ano depois, também na carta da igreja de Esmirna endereçada à igreja de Filomélio e à Santa e Católica Igreja. E é o mais antigo registro do martirológio cristão.
    Abaixo, trechos de sua Epístola aos Filipenses:

    'Não é por mim mesmo, irmãos, que vos escrevo sobre a justiça, e sim porque primeiro vós me pedistes. Pois nem eu, nem ninguém como eu, pode chegar a Sabedoria do abençoado e glorificado Paulo. Ele, estando entre vós, com exatidão e força comunicou a Palavra da Verdade na presença daqueles que ainda estão vivos.
    Vós e Inácio escreveste-me para que, se alguém for a Síria, leve vossa carta. Eu atenderei esta requisição se encontrar uma boa oportunidade, pessoalmente, ou através de outra pessoa que vos sirva de mensageiro. Quanto às cartas de Inácio, que ele nos enviou, e outras que possamos ter aqui, nós enviamo-las como pedistes. Vão anexas. Delas podereis retirar grande utilidade, pois encerram fé, paciência e toda espécie de edificação relativa a Nosso Senhor. Qualquer outra informação que vós obtiverdes a respeito de Inácio, e daqueles que com ele estão, fazei a gentileza de informar-nos.'
    '... quem perverte as profecias do Senhor, para sua própria satisfação... este é o primeiro nascido de Satanás. Assim, abandonemos os vãos discursos das multidões e suas falsas doutrinas, e voltemos aos ensinamentos que desde o princípio nos foram transmitidos. “Permaneçamos sóbrios na oração”, e perseveremos no jejum; em nossas orações suplicando ao Deus que tudo vê para que "não nos deixeis cair em tentação”, pois disse o Senhor: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca.
    Por causa disso, cingi vossas cinturas, “servi ao Senhor no temor” e na Verdade, como quem tem renunciado ao inútil, às vãs conversas e aos erros da multidão, e “acreditado n'Aquele que ressuscitou Nosso Senhor Jesus Cristo da morte e deu-Lhe a Glória”, e um trono à Sua direita. A Ele todas coisas no Céu e na Terra estão subordinadas. A Ele todo espírito serve. Ele vem como o Juiz dos vivos e dos mortos.'
    'Todos vós estejais submetidos uns aos outros, tendo uma justa conduta entre os gentios, para que ambos recebam a recompensa de vossas boas obras e o Senhor não seja blasfemado por causa de vós. Mas coitado daquele por quem o Nome do Senhor é blasfemado! Ensinai, portanto, a sobriedade a todos, e manifestai-a em vossa própria conduta.'
    'Exorto-vos, portanto, que vos abstenhais da avareza, e que sejais castos e verdadeiros. “Abstende-vos de todo tipo de mal.” Pois se um homem não pode governar-se nestes assuntos, como pode ensiná-los aos outros? Se um homem não se mantém longe da avareza, ele desonra-se pela idolatria, e deve ser julgado como um dos pagãos.'
    'Da mesma maneira, que os jovens também sejam irrepreensíveis em todas coisas, especialmente sendo zelosos em preservar a pureza, e mantendo-se livre, como que por um freio, de todo tipo de mal. Pois é bom que eles repilam toda luxúria que existe neste mundo, pois “todo desejo da carne luta contra o espírito”; e “nenhum fornicador, nem efeminado, nem aquele que abusa de si mesmo com os outros terá parte no Reino de Deus”, nem quem comete inconsistentes e indevidas ações. Por isso, é preciso que eles se abstenham de todas essas coisas, permanecendo obedientes a presbíteros e diáconos, assim como a Deus e a Cristo. As virgens devem andar com inocente e pura consciência.'
    'Por isso, devemos servi-Lo no temor, e com toda reverência, como Ele mesmo nos manda, da mesma maneira que os Apóstolos nos ensinaram no Evangelho, e da mesma maneira que os Profetas proclamaram a Vinda do Senhor. Sejamos zelosos na busca do que é bom, mantendo-nos longe das causas de ofensa, de falsos irmãos, e daqueles que hipocritamente proclamam o Nome do Senhor, fazendo vãos homens caírem no erro.'
    'Pois quem permanece na caridade está longe de todo pecado.'
    'Mas Aquele que ressuscitou dentre os mortos também nos ressuscitará, se fizermos Sua vontade e seguirmos Seus Mandamentos, e se amarmos o que Ele amou, abstendo-nos de toda injustiça, arrogância, amor ao dinheiro, murmurações, falsos testemunhos, “não pagando mal por mal, injúria por injúria”, golpe por golpe, maldição por maldição, mas sendo misericordiosos pelo que disse o Senhor em Seus ensinamentos: “Não julguem para não serem julgados; perdoem e serão perdoados; sejam misericordiosos e alcançarão misericórdia; pois com aquilo que vós medirdes também sereis medidos”; e uma vez mais: “Bem-aventurados são os pobres, e aqueles que são perseguidos por causa da Verdade, pois deles é o Reino de Deus.'
    'Estas coisas eu tenho-vos escrito através de Crescente, a quem recentemente vos recomendei e novamente agora vos recomendo. Ele tem crescido irrepreensível entre nós, e eu creio que da mesma maneira será entre vós.'

    Também é de sua inspiração:

    'Pela Graça vós sois salvos, não pelas obras, mas pela vontade de Deus através de Jesus Cristo... Se O agradarmos neste presente mundo, também receberemos o futuro mundo, conforme Ele nos prometeu ressuscitar-nos dentre os mortos, e que, se por Ele dignamente vivermos, com Ele também devemos reinar, desde que acreditemos...'
    'Agora, o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, e o próprio Eterno Sumo Sacerdote, o Filho de Deus, Jesus Cristo, edifique-vos na fé e na Verdade, e com toda gentileza, e em toda liberdade de raiva, e com paciência e firmeza e pureza.'

    Há belas igrejas em sua homenagem por todo mundo, como essa nos Estados Unidos, em Somerville, Massachusetts.



    Essa é do século XVII, nas Filipinas.


    Em Roma, em recentes anos, foi-lhe construída uma moderna e arrojada igreja, de peculiar beleza.


    A igreja erguida em sua homenagem em Esmirna, apesar de pequena e discreta para evitar a violência do radicalismo muçulmano, é muito antiga e especialmente decorada.


    São Policarpo, rogai por nós!